Quando
estive em 1992 no Peru pela primeira vez, pude presenciar o Golpe de Estado
decretado a 5 de abril desse ano, pelo então Presidente Alberto
Fujimori.
Nessa
época, não me inteirei de fatos suficientes que esclarecessem todas as dúvidas
que me assolavam. Como mera espectadora, me ative a perceber quais as condições
em que vivia a população daquele país e como estava a situação econômica.
O
Peru atravessava uma grave crise econômica com inflação alarmante e sofria com
os ataques acirrados do Sendero Luminoso (SL) e do Movimento
Revolucionario Tupac Amaru (MRTA), que há muito propagavam o terror por
todo o país.
Tudo
isso, aliado à falta de água, cortes de luz, falta de emprego, remuneração
baixa, racismo contra a população de origem indígena, falta de moradia e
transporte precário, formava um quadro nada promissor.
Dois
anos depois do Golpe, regressei ao Peru e constatei que pouca coisa havia se modificado, mas, desta vez, comecei
a entender o porquê de tanta injustiça social, que é a característica atual
mais marcante.
Retrocedendo
um pouco no tempo, chegamos à época de Alan García (1985-90), presidente que,
segundo a opinião geral, foi o responsável pelo aumento desregrado da inflação,
pela redução da produção e pelo aumento do subemprego, deixando o país em total
descalabro econômico.
Foi
nesse período (década de 80) que eclodiu o movimento senderista, seguidor da
linha maoísta, e o MRTA, ferrenhos castristas (Fidel Castro). Estes se
infiltraram junto às camadas da juventude popular, pregando a hostilidade ao
Estado[1].
Nessa
época, começaram os grandes movimentos migratórios, quase todos em direção aos
grandes centros. Isso era normal, mesmo antes do terrorismo, porém, a partir da
década de 80, aumentaram substancialmente, pois a população (principalmente os
camponeses nos Andes, região mais afetada) se encontrava entre os ataques dos
terroristas e as ações do exército. Começou assim o deslocamento, em massa, de
pessoas em busca de refúgio e novas condições de vida[2].
A
partir dos anos 80, conforme afirma Olarte, a vida social, política e econômica
ficou marcada pela violência, pois as ações subversivas e terroristas do SL e
depois do MRTA, além do narcotráfico, dificultaram o ajuste e a estabilização
econômica, tornando difícil o desenvolvimento peruano[3].
Nas
eleições de 1990, dois candidatos se destacavam, de um lado, Vargas Llosa com
propostas tecnocratas e do outro, Fujimori que tinha por lema a “honestidade,
trabalho e tecnologia”[4].
Fujimori
venceu, mas não tardou a contrariar o prometido em campanha, passando a assumir
um comportamento tecnocrático e autoritário.
Quando
em 5 de abril de 1992, ele dissolveu o Congresso, reestruturou o Poder Judicial
e conformou um “Governo de Emergência e Reconstrução Nacional”, com o respaldo
das Forças Armadas, estava começando um período de grandes mudanças e de
“autoritarismo”.
A
prisão do líder senderista, Abimael Gusmán e de outros dirigentes do SL e do
MRTA, elevou a imagem política de Fujimori, que agora contava com o apoio de
parte da população. Muitos passaram a crer que o regime autoritário pudesse
levar ao desenvolvimento do país, pois se basearam no exemplo de Pinochet[5].
A
realidade é que o país prossegue com grandes conflitos sociais, onde o
estancamento econômico influiu no mercado de trabalho, fazendo aumentar o
desemprego e o subemprego e a democracia está longe de ser alcançada.
Esta
situação crítica é ainda pior, quando me detenho numa análise da realidade da
população peruana de baixa renda que hoje luta para sobreviver.
Tratarei especificamente da situação de Lima, capital do país, que concentra mais de 8 milhões de habitantes e muitos problemas.
Lima
é uma grande cidade e, igual a tantas outras, tem bairros de classe alta, com
famílias que vivem sem dificuldades financeiras e bairros de classe
média, nos quais, conseqüentemente, os problemas já são maiores. Mas, a
situação começa a ficar realmente preocupante nos locais onde se concentram as
classes de baixa renda.
A
cidade de Lima foi crescendo, inchada também com o grande número de imigrantes
que vieram de outras partes do país, fugindo do terrorismo e buscando melhores
condições de vida. Porém, encontraram uma realidade difícil, tendo que
submeter-se ao subemprego e conseqüentemente a habitar moradias em más
condições.
As
famílias de baixa renda que conseguem ficar no centro de Lima aglomeram-se em
grandes casas antigas, onde antes só habitava uma família e que hoje estão
quase em ruínas, oferecendo um sério risco de vida a seus moradores. Nos pátios
internos de tais casas, ainda são improvisadas “casitas” de madeira ou palha
(pouco chove em Lima).
Os
que tiveram por necessidade buscar outros locais para viver ocuparam as regiões
desérticas, fora de Lima, sem as menores condições urbanas. Nesses lugares
construíram primeiramente casas de palha, depois apareceram algumas de madeira
e de tijolo, formando os “Pueblos Jovenes”, que aqui conhecemos pelo nome de
“favelas” e em outros países são conhecidos por “vilas miséria” ou “cidades
perdidas”.
Alguns
desses locais cresceram tanto que hoje são denominados “urbanizações” e alguns
já possuem saneamento básico, escolas, postos de saúde, comércio, mas ainda
sofrem com os cortes de água e luz.
Em
sua maioria, tais urbanizações localizam-se no cone norte de Lima e no cone
sul. Essa população procura trabalho no centro de Lima e para lá chegar
submete-se a passar de 1 a
2 horas dentro de micro-ônibus, que se encontram normalmente em condições precárias,
pois são velhos, apertados e andam sempre cheios.
Bairro Pachacamac - Lima - Peru
Um dos templos do sítio arqueológico Pachacamac
ao lado do bairro do mesmo nome
Parte
dessas famílias vive da economia informal, sendo que alguns conseguem emprego
na construção civil, onde ganham mais. O salário mínimo atual é pouco mais de
U$200 mensais, o que faz com que muitos tenham trabalhos eventuais para
aumentar a renda familiar mensal.
Conforme
o que nos afirma Francisco Verdera, realmente houve uma mudança no mercado de
trabalho em Lima, onde subsiste grande número de trabalhadores não
sindicalizados na construção e de vendedores ambulantes[6].
A
família de baixa renda no Peru de hoje, é forçada a migrar, quase sempre para
os grandes centros, principalmente Lima, e assim mesmo, prossegue vivendo na
pobreza e algumas vezes, em piores condições das de quando viviam em suas
regiões de origem.
Os jovens pobres de Lima, muitas vezes, são forçados a buscar outras
formas de ganhar a vida, tornando-se repassadores de drogas, ladrões ou se
prostituindo. Quando muito, conseguem empregos onde são mal pagos, mas têm que
trabalhar muitas horas. Nos fins-de-semana extravasam toda sua angústia, e até, indignação, nas diversas
danceterias espalhadas pela cidade, onde se vê de tudo: brigas, gente
alcoolizada, drogada, prostitutas e muitos, muitos jovens insatisfeitos e é
grande o número deles que possui sérios problemas psicológicos, por isso a
necessidade de “agredir” a sociedade à sua maneira.
Outros,
para conseguirem ter apoio gratuito, costumam integrar-se a Grupos de Jovens
das Igrejas. Nesses locais encontram ajuda, companheiros e se sentem úteis,
pois costumam ser responsáveis por atividades educativas e desportivas junto a
outras crianças carentes.
Em
geral, as famílias de baixa renda em Lima possuem grandes conflitos familiares,
o que não nos é totalmente estranho. Pais que não se entendem com os filhos e
vice-versa, casais separados, diversas pessoas de uma família vivendo na mesma
casa, gerando mais problemas, além de falta de comida para atender a todos.
Enfim, são muitas questões que impedem que tais famílias possam ter uma vida
digna e tranqüila.
Poderíamos
afirmar que a sociedade limenha e, até mesmo a peruana como um todo, está
enferma, pois o racismo subsiste e a herança colonial ainda se faz presente no
dia-a-dia do peruano que segue resistindo contra tudo e contra todos. São
séculos de acúmulo de diferenças sociais e culturais e para solucionar tais
problemas seria necessário um esforço conjunto do Estado, ONGs e Igreja na elaboração
de estratégias e políticas públicas que atendessem a essa camada social, que
cada vez mais se distancia dos ditames dos Direitos Humanos.
[1] Cotler, Julio. Descomposición política y autoritarismo en
el Perú. Lima: IEP, 1993, p.17.
[2] Coral, Isabel. Desplazamiento por violencia política en el
Perú, 1980-1992. Lima: IEP/CEPRODEP, 1994, p.6-7.
[3] Olarte, Efraín Gonzales de. Una economia bajo violencia. Peru, 1980-1990. Lima: IEP, 1991, p.5.
[4] Cotler,
op. cit., 1993, p.21.
[5] Idem,
1993, p.28.
[6] Verdera,
Francisco. El mercado de trabajo de Lima metropolitana:
estructura y evolución, 1970-1990. Lima: IEP/CIE, 1994, p.33.
OBS: Fotos de acervo próprio.
OBS: Fotos de acervo próprio.
Estive recentemente em Lima e Cusco.Apesar de tudo descrito acima me senti muito mais seguro lá como turista que andando e vivendo em S.Paulo. O sentimento nacionalista, ora espontâneo, ora imposto é muito mais presente e forte que aqui.
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