quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

ETNOHISTÓRIA ANDINA



A sociedade andina sempre foi analisada por historiadores, antropólogos, etnólogos, arqueólogos e outros especialistas, com o intuito de perceber as modificações ocorridas desde a época pré-incaica até os dias atuais. Muitos lançaram mão das crônicas para obter dados etnográficos e poder entender o passado desses povos à luz da história e da antropologia. Dessa maneira, surgiu a etnohistória peruana enquanto disciplina que unia o estudo de grupos indígenas organizados de acordo com modelos ocidentais via metodologia antropológica e também histórica para entender as populações indígenas atuais como fruto de um processo histórico que as levou a uma desestruturação cultural.


Os primeiros estudos etnohistóricos sobre a região andina remontam ao século XIX, em que alguns pesquisadores estrangeiros, como Heinrich Cunow, formularam uma proposta a respeito da comunidade andina, relacionando-a com a comunidade de aldeia, acreditando encontrar na marca germânica a explicação para compreender o mundo andino descrito pelos cronistas. Porém, sua teoria se fundamentou em fontes que representavam a estrutura mental do europeu do século XVI. Sabemos, por exemplo, que o espanhol transformou o sistema político dual dos incas em uma monarquia, no entanto, nada aparece nas crônicas sobre a dualidade. O modo que temos para averiguar a existência desse sistema é a explicação dada pelos cronistas para a derrocada do Império Inca, já que no momento da conquista espanhola dois Incas disputavam o poder. Ao passarem pelo filtro europeu, as informações a respeito do mundo andino foram transformadas em categorias do século XVI, em que os espanhóis construíam um ideal imperial à luz da história de Roma, visto que esse era o modo como explicavam a própria sociedade. Um outro exemplo, é a definição da panaca[1] cuzquenha encontrada nas crônicas, que nada mais é que o modelo do genos[2] grego.


Depois de Cunow, outros pesquisadores, como Paul Rivet (duas teorias: imigração via ásia e polinésia tardia e o autoctonismo) e Alfred Métraux (camponeses atuais são os detentores da sabedoria dos antigos hatun runas), utilizaram as crônicas como fontes, porém cientes de que estas representavam um mundo pautado em preconceitos europeus. A aproximação entre antropologia e história foi muito importante para os avanços historiográficos peruanos, visto que o fato dos antropólogos terem passado a valorizar os processos de mudança social e os historiadores os comportamentos, crenças e cotidianos dos homens comuns proporcionou abordagens teórico-metodológicas interdisciplinares que valorizam fontes variadas e permitem reflexões sobre situações históricas e sistemas culturais de diferentes épocas. A definição de etnohistória como reconstrução da história de um povo sem escrita tem sido questionada, pois o intuito maior dessa disciplina é entender como os povos compreendem sua própria história. Pesquisadores peruanos e estrangeiros procuraram desvendar as especificidades das sociedades andinas partindo de releituras das tradicionais fontes andinas e de crônicas. Destacam-se pelo pioneirismo, Luis E.Valcárcel, John V. Murra, John H. Rowe, Tom Zuidema, Franklin Pease, Waldemar Espinoza e Maria Rostworowski. Esses autores influenciaram a atual historiografia peruana que está preocupada em analisar a história dos povos indígenas partindo de sua lógica e categorias. Dessa forma, é possível perceber os mecanismos de resistência do povo andino para poder sobreviver diante das adversidades do período colonial e republicano.


Os estudos etnohistóricos sobre mitos e tradições orais também são extremamente importantes, pois revelam a capacidade dos grupos indígenas para mudanças e rearticulação de valores e tradições, o que conduz a novas interpretações sobre seus comportamentos frente aos ocidentais. Um exemplo disso foi a descoberta do mito de Inkarrí, que através do simbolismo da ressurreição do corpo do Inca, representa a reconstrução da sociedade indígena. Esse fato foi interpretado de diversas formas, como movimento messiânico, milenarista ou até mesmo de repúdio ao sistema colonial.
Os pesquisadores que mais trabalharam o período colonial foram John H. Rowe, Nathan Wachtel e Steve J. Stern. Rowe possui trabalhos em que utiliza a arqueologia e a história da arte para suas análises; Wachtel trabalha descrições etnográficas em conjunto com a história desses povos para perceber o que se manteve desde o período colonial inicial até à época do vice-rei Toledo; e Stern trabalhou a região de Huamanga priorizando as alianças entre espanhóis e índios que visavam a construção de um sistema colonial vantajoso para ambas as partes. Esses estudos ajudaram a entender que os grupos indígenas foram conquistados, mas não subjugados, pois o processo de alteridade por eles vivido expressava uma negociação contínua e que por vezes, tinha rupturas demonstradas por movimentos de resistência nativa, como por exemplo, o Taqui Ongo ocorrido entre 1560 e 1565. O “ethos” andino nunca deixou de existir e era revigorado constantemente como um modo de sobrevivência, pois podia significar a solução de problemas imediatos e também a possibilidade de construção do sentimento de nação peruana.


As pesquisas etnohistóricas peruanas revelam os índios enquanto sujeitos ativos no processo de colonização, buscando concretizar seus objetivos e mostrando que eles encontraram modos de sobreviver e garantir melhores condições de vida na nova situação em que se encontravam. Por isso, é tão importante dar prosseguimento a esse tipo de estudo que estabelece uma articulação entre os processos históricos e a organização cultural desses povos, valorizando as fontes à luz da interdisciplinaridade que proporciona conhecimento sobre as relações de contato e sobre as transformações dos grupos étnicos na situação colonial.


[1] panaca - “miembros de la elite cusqueña” ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, Maria. Historia del Tahuantinsuyu, Lima: IEP, 1988, p.201.
[2] “genos” . “Família extensa aristocrática grega, cujos membros se julgavam descender de um antepassado comum, com freqüência um semideus ou um herói mítico” CARDOSO, Ciro Flamarion S. A cidade-Estado antiga, São Paulo: Ática, 1985, p.85.

OBS: Fotos de acervo próprio.

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