terça-feira, 13 de setembro de 2011

OS SACRIFÍCIOS HUMANOS ENTRE OS INCAS


As crônicas espanholas e indígenas dos século XVI são ricas em detalhes sobre os sacrifícios humanos praticados entre os Incas, sendo que numericamente esses sacrifícios eram insignificantes se comparados à realidade Asteca. O povo Asteca chegou a tirar a vida de centenas de pessoas diariamente, cortando-lhes o peito ou simplesmente atirando-as pelas escadarias das grandes pirâmides.
As Capacochas, nome quechua dado ao sacrifício humano entre os Incas, constituíam-se em cerimônias extraordinárias dedicadas ao Inca, celebradas só em oportunidades solenes, como o nascimento de um chefe, vitórias em guerras ou ainda em caso de epidemias ou problemas climáticos que pudessem comprometer a agricultura[1].

No Templo do Sol eram realizados todos os rituais necessários para revitalizar os mitos e a espiritualidade do povo, já que o homem andino dos séculos XV e XVI desenvolveu sua existência dentro de um plano essencialmente mágico, pois todos os fenômenos da natureza ou acontecimentos rotineiros eram inseridos em um contexto sobrenatural.





Várias vistas do Templo do Sol de Pachacamac 
Centro cerimonial costeiro próximo a Lima.

Os sacrifícios eram a principal parte dos cultos e na época das grandes festas, eram feitas oferendas não somente ao Deus Sol, mas também a outras  divindades, afim de manter a benevolência para com seus seguidores.
A maioria dos sacrifícios eram de llamas, cuys, roupas, ouro, prata, frutas e chicha, mas ao longo da história peruana houveram muitos sacrifícios humanos, pois se encontraram evidências disso em escavações arqueológicas e nos relatos dos cronistas. Há quem diga que essa prática foi mais freqüente ao norte do país e que na época dos Incas, os sacrifícios humanos diminuíram.

Sacrifício de crianças ao deus Pachacamac
Desenho do cronista Guaman Poma de Ayala

Sacrifício de lhama
Desenho do cronista Guaman Poma de Ayala


Os sacrifícios humanos tinham uma grande importância e para isso, escolhia-se um grupo especial de pessoas e entre os mais importantes estavam os guerreiros, os gêmeos, os que nasciam de pés, os que nasciam com o cabelo crespo, os albinos, os leporinos e as pessoas que nasciam no período das grandes festas, pois se diziam ser filhos dos deuses, já que muitas mulheres ficavam grávidas depois de tais festas e sem saber de quem. Não obrigatoriamente essas pessoas eram utilizadas para isso, mas se convertiam em sacerdotes ou eram escolhidas para outras funções especiais[2].
Alguns investigadores dizem que para esse sacrifício eram selecionadas crianças de 8 a 10 anos, que eram levadas por suas mães até Cuzco e pelo curaca do ayllu. Quando chegavam, se reuniam na maior praça todas as pessoas que vinham para a grande festa, trazendo consigo diversas oferendas. As coisas materiais, em geral, eram incineradas e o ouro e a prata colocado perto dos deuses, mas os animais eram sacrificados cortando-os de um dos lados e retirando-lhes o coração ainda pulsando para assim poder profetizar. 
As crianças que chegavam acompanhadas pelas suas mães comiam, bebiam até ficarem embriagados e logo enchiam-lhes a boca de coca e cortavam-lhes o peito, para retirar-lhes o coração palpitante que ofereciam aos deuses e com o sangue untavam as imagens de seus ídolos. Depois de todo o cerimonial, o Inca entregava o resto das oferendas aos sacerdotes regionais, que as levavam e prosseguiam os rituais em seus próprios povoados. Dessa forma, o Inca conseguia boas relações com os chefes das demais etnias pertencentes ao Império Inca.
Maria Rostworowski nos conta que os sacrifícios eram feitos com crianças de 4 a 12 anos, quando o Inca recebia a mascapaicha, ou coroa real. Eram escolhidas umas 200 crianças e de dois em dois, homem e mulher, eram enterrados vivos como oferenda ao Deus Sol, à Lua, à Terra etc. Também sacrificavam virgens, enterrando-as vivas[3].
O historiador Lorenzo Huertas afirma que as Virgens do Sol também foram submetidas a um tipo de sacrifício raro. Quando os deuses estavam muito zangados com o povo, eram desvirginadas mais de 20 mulheres por um só homem e com o sangue resultante desse ato, se untavam os deuses com a intenção de acalmá-los[4].


Acllahuasi (casa das escolhidas)
Lugar onde residiam as "Virgens do Sol"
Pachacamac - Lima

Maria Rostworowski afirma que houve outro tipo de sacrifício de mulheres, pois foram encontradas diversas tumbas com mulheres estranguladas como uma forma de sacrifício[5].
Foram muitos os cronistas que relataram os sacrifícios humanos, mas houve quem os negasse, como é o caso do Jesuíta Anônimo[6], que refuta as palavras de Polo de Ondegardo. Ele afirma que nunca houve sacrifícios humanos entre os Incas, nem de prisioneiros de guerra, ao contrário do que descreveu Polo[7].
Já o Padre Acosta descreve, entre outros, o episódio da morte de Huayna Capac em que se sacrificaram voluntariamente mais de 1.000 homens e mulheres. Houve também sacrifícios de crianças e com seu sangue fez-se uma marca de orelha a orelha no rosto do defunto. Ele nos conta também, que eram comuns os sacrifícios de virgens quando o chefe Inca passava por alguma enfermidade ou em período de guerras[8].
Hernando de Santillán ao tratar do modo como os Incas rendiam culto ao Sol e outros deuses, coloca que 


La principal ofrenda y sacrificio que hacían a las cosas que adoraban, era quemar ropa y ovejas; con el corazón de las ovejas rociaban la casa del Sol o de la guaca; y otras veces en ofrenda les enterraban ovejas vivas, y algunas veces en Cuzco y en Pachacama ofrecían doncellas y las enterraban vivas...[9]

Martin de Murúa também descreve sacrifícios humanos em que as pessoas eram levadas para o Templo do Sol, onde entravam de cabeça baixa e sem ousar olhar para lugar algum e estando aí dentro os sacerdotes davam-lhes de beber e quando estes estavam embriagados, os matavam e enterravam dentro do templo junto com o ouro e prata que levavam[10].
Juan de Betanzos conta que
...fueron sacrificados muchos niños y niñas, a los cuales enterraban vivos muy bien vestidos e aderezados, los cuales enterraban de dos en dos, macho y hembra; e con cada dos destos enterraban mucho servicio de oro y plata (...)estos niños (...) eran hijos de cacique y principales... [11]

Sobre a Capacocha, temos os relatos do cronista Cristóbal de Molina, el cuzqueño, que afirma ter sido essa prática de sacrifício de crianças introduzida pelo Inca Pachacuti.  As crianças eram levadas para Cuzco junto com roupa e gado, ouro, prata e conchas e entravam na praça da cidade, davam duas voltas ao redor dos grandes ídolos e cada grupo recebia uma parte das oferendas ali reunidas para levá-las ao principal santuário de sua província e uma vez nele, enchiam a boca das crianças de coca e as enterravam junto com as outras oferendas. Os que eram sacrificados em Cuzco eram enterrados nas proximidades e se convertiam em huacas[12], que são locais sagrados de adoração. Suas pequenas múmias passavam a ser consultadas por haverem se transformado em oráculos.
Apesar de todos estes dados, os sacrifícios humanos ainda são um tema controvertido, visto que podem ser considerados uma prática comum, já que quando havia algum acontecimento especial ou então grandes festas cerimoniais eram praticados normalmente, mas também ao ser comparados com os sacrifícios humanos praticados em larga escala pelos Astecas, deixam de ser uma prática comum. Outro problema, é que muitas das informações que temos sobre os sacrifícios humanos, nos foram fornecidas pelos cronistas, que nem sempre são confiáveis, já que estes viam a história andina pelos padrões e conceitos europeus[13].
Esses sacrifícios humanos funcionavam como uma forma de controle político, pois levavam todas as etnias à capital do império, com a meta de dar poder ao Estado e ao chefe Inca. Havia a intenção de se estabelecer relações entre o Inca e os curacas regionais, buscando uma coesão ideológica entre todos os setores político-sociais. As capacochas simbolizaram a harmonia  política entre esses povos e através delas se percebe a importância da religião para sustentar o Estado, sendo a melhor ferramenta de dominação.


[1] Waldemar Espinoza Soriano. Los Incas; economia, sociedad y estado en la era del Tahuantinsuyo. 2.ed. Lima: Amaru, 1990, p.467.
[2] Luis E. Valcárcel. Historia del Peru antiguo. Lima: Editorial Universitaria, s/d, t. III, p.231-258.
[3] María Rostworowski de Diez Canseco. Historia del Tahuantinsuyu.2.ed Lima: IEP, 1988.
[4] Lorenzo Huertas Vallejos. La religión en una sociedad rural andina.Ayacucho: Universidad Nacional de San Cristóbal de Huamanga, 1981.
[5] María Rostworowski de Diez Canseco. Op. cit., 1988.
[6] Jesuíta Anónimo. Relación de las costumbres antiguas de los naturales del Pirú. In: Francisco Esteve Barba. Crónicas peruanas de interés indigena. Madrid: Atlas, 1968, p.156-157.
[7] Juan Polo de Ondegardo, De los errores y supersticiones de los indios in Confesionario, Lima, Antonio Ricardo, 1585[1554].
[8] Jose de Acosta. Historia natural y moral de las Indias. In: Obras del Padre Jose de Acosta. Madrid: Biblioteca
de Autores Españoles, 1954 [1590].
[9] Hernando de Santillán. Relación del origen y gobierno de los Incas. In: Francisco Esteve Barba. Op. cit., 1968, p.111.
[10] Martin de Múrua. Historia del origen y genealogía de los reyes incas del Perú, de sus hechos, costumbres, trajes y maneras de gobierno, Lima, Urteaga y Romero, 1922[1590].
[11] Juan de Betanzos. Suma y narración de los Incas. In: Francisco Esteve Barba. Op. cit, 1968, p53.
[12] Cristóbal de Molina (Cuzqueño). Fábulas y ritos de los Incas, Lima, Horacio Urteaga y Carlos A. Romero, 1916[1574].
[13] Cuando llegaron los españoles, vieron e interpretaron el mundo andino bajo las premisas de la cultura occidental de su tiempo, aplicando los conceptos y modelos europeos a la nueva realidad con la que entraron en contacto. Además, cada autor imprimió a su relato su sensibilidad y apreciación personales. Pero en el fondo la realidad era diferente, las instituciones del mundo andino tenían su proprio carácter, su naturaleza sui generis que no pudo ser captada por los observadores europeos en su verdadero significado social.  Fernando Silva-Santisteban. El significado de la conquista y el proceso de aculturación hispano-andino, in Francisco Solano, Proceso histórico al conquistador, Madrid, Alianza, 1988, p.147.

OBS: Fotos de acervo pessoal.
Desenhos de Guaman Poma de Ayala podem ser encontrados no site da Biblioteca de Copenhague: http://www.kb.dk/permalink/2006/poma/info/es/frontpage.htm