sábado, 30 de julho de 2011

UM "PILOTO ANÔNIMO" DESCOBRIU A AMÉRICA???

Muitas são as teorias sobre o descobrimento do Novo Mundo e sobre qual o verdadeiro mérito de Colombo nesse evento, visto que para os cronistas da época este não reunia méritos especiais nem fortuna para alcançar tão importante feito. Os erros de natureza geográfica apresentados por Colombo eram passíveis de recusa por parte dos especialistas que examinaram seu projeto de viagem, visto que ele apresentara um mapa-múndi onde a distância entre Europa e Ásia era demasiado curta (700 léguas). Esse tipo de leitura fez com que todos acreditassem no desconhecimento de Colombo para efetuar tal tarefa e depois que ele alcançou a América começaram a surgir algumas obras de cronistas que o defenderam, como por exemplo, Bartolomé de Las Casas. Ele afirmou que uma nau havia estado antes de Colombo nas Índias, a qual retornou à ilha da Madeira, porém todos os marinheiros morreram vitimados por doenças adquiridas ao longo da viagem. Somente um sobreviveu e antes de morrer, agradecido pela hospitalidade oferecida por Colombo que aí residia há algum tempo, contou-lhe como navegar até às Índias[1]. A esta célebre hipótese de um “piloto anônimo” deram credibilidade muitos cronistas, independentemente de serem a favor de Colombo ou não. Porém, Colombo acreditava que o novo continente encontrado tratava-se realmente da Ásia e morreu sem saber que havia encontrado um novo território. Para ele, a ilha La Española era na verdade Cipango, ou o Japão como o conhecemos hoje[2].


Columbus before the Queen - Peter Frederick Rothermel, 1841

Muitos cronistas espanhóis se irritaram com o fato de Américo Vespúcio (1454-1512) ter levado a glória do descobrimento, imortalizando seu nome no do novo Mundo, visto ser este considerado navegante desconhecido e um geógrafo medíocre[3]. Porém, era grande humanista e conseguiu através da retórica de seu discurso se promover e alcançar o apoio de grandes especialistas e pensadores que o ajudaram a usurpar o nome das novas terras a Colombo.
Alguns cronistas, fervorosos defensores da glória da Coroa espanhola, também não queriam que Colombo tivesse o mérito absoluto do descobrimento e por isso, divulgaram a história do “piloto anônimo” com o intuito de diminuir a glória de Colombo e em conseqüência enaltecer a de Castela.
López de Gómara exemplifica este pensamento em sua obra expondo a teoria do piloto anônimo buscando ressaltar os interesses de Castela em detrimento da fama de Colombo, mas não deixando de prestar-lhe uma pequena homenagem póstuma em nome da Espanha[4].1
Gonzalo Fernández de Oviedo, cronista oficial da Coroa, coloca em sua crônica que essa história do piloto anônimo é algo da opinião popular, embora dedique uma parte considerável de sua obra a esse episódio. Para ele, não houve realmente uma descoberta, pois o território encontrado por Colombo seria parte das antigas ilhas Hespérides, que já pertenciam à Espanha há muito tempo e, portanto, Colombo apenas havia contribuído com o fato de ter aumentado as rendas da Coroa e proporcionado a propagação da fé católica no Novo Mundo[5].
Hernando Colón, filho de Colombo, em sua obra defendeu o protagonismo de seu pai no descobrimento da América e ainda tentou provar que ele estaria consciente de que havia chegado a um novo continente e não a partes da Ásia. Descartou completamente as teorias do predescobrimento, como a do piloto anônimo, desqualificando-as e quando muito nomeando-as de empresas frustradas[6].
Já o Inca Garcilaso de la Vega retoma em seus Comentários reales a hipótese do primeiro descobrimento, oferecendo grandes detalhes do feito, como rota da caravela, nome do piloto anônimo, número de tripulantes, etc. Isso se deve por certo à não simpatia tida por Colombo, visto que o descobrimento por este realizado significava na verdade o fim de seu idealizado império incaico[7].
O padre José de Acosta acredita que os primeiros povoadores da América foram levados até à costa por um temporal e depois expõe a história do protonauta como algo já aceito por todos[8], por isso, não se alonga demais nela dando mais ênfase às discussões filosóficas sobre a importância do descobrimento.
Jerônimo de Mendieta também se preocupa mais com o fracasso do projeto dos franciscanos na Nueva España, do que com a paternidade do descobrimento propriamente dito, que diz estar envolto em grande obscuridade, embora também relate a história do piloto anônimo.

"Cristóbal Colón, de nación genovés, fué el primero que en estos tiempos descubrió la tierra que llamamos Indias, por el mar Océano, hallando la isla Hayti, que puso por nombre Española, porque la ganó en el año de mill y cuatrocientos y noventa y dos con gente y navíos españoles, á costa de los reyes católicos de España, Don Fernando y Doña Isabel. El orígen y fundamento de esta navegación no fué otro ni se halla más claridad (con haber tan pocos años que pasó) sino que una carabela de nuestra España (no saben si vizcaína, si portuguesa ó del Andalucía) navegando por el mar Océano, forzada del viento levante fué á parar á tierra desconocida y no puesta en la carta de marear; y volviendo en muchos más días que fué, llegó á la isla de la Madera, donde el Cristóbal Colón á la sazón residía. Dicen que la carabela no llevaba más del piloto y otros tres ó cuatro marineros, habiendo fallecido todos los demás; y estos pocos, como fuesen enfermos de hambre y otros trabajos que pasaron, en breve murieron en el puerto. Era Colón marinero y maestro de hacer cartas de marear. Tuvo dicha que aquel piloto (cuyo nombre no se sabe) muriese en su casa; de suerte que quedando en su poder las escrituras de la carabela, y la relación de aquel luengo viaje, se le alzaron los pensamientos á querer buscar nuevo mundo"[9].

Percebemos que as dúvidas sobre a paternidade do descobrimento da América foram semeadas pelo próprio Colombo com seus segredos, pois nunca quis aclarar as fontes de seu projeto e disse navegar como instrumento divino da Providência. Gómara e Oviedo exploram a fundo a teoria do protonauta em detrimento da fama de Colombo e essa história acaba sendo assimilada por todos como algo  verossímel e indiscutível. Os cronistas do final do século XVI se limitam a reproduzi-la brevemente, pois estão mais interessados nas reflexões sobre temas de maior transcendência relativos às Índias.
No caminho da invenção da América, ideias apaixonadas surgiram e foram projetadas sobre o Novo Mundo e na verdade, suas origens são confusas e acidentais. Depois de tantas discussões sobre a paternidade da América, homens quinhentistas preocuparam-se em estender seus anseios humanistas a estas novas terras capazes de propiciar o espaço para a realização de sonhos nunca antes alcançados.


Landing of Columbus - John Vanderlyn, 1846

A obra Utopia de Thomas More publicada em 1516[10] reflete a mentalidade humanista da época, pois reúne idéias a respeito de justiça social, tolerância religiosa, educação racional e virtudes cidadãs, bem como, a crítica às guerras. A ilha Utopia por ele idealizada não podia ser localizada em nenhum mapa da época e por isso, influenciou a visão de alguns europeus sobre o Novo Mundo, que passaram a identificá-la com o local descrito por More.


Utopia [11]





[1] CASAS, Bartolomé de las. Historia de las Indias. In: Obras Escogidas, vol. I, libro I, capítul XIV.
[2] COLÓN, Cristóbal. Textos y documentos completos. Madrid: Alianza, 1982.
[3] LEVILLIER, Roberto. Americo Vespucio. Madrid: Cultura Hispánica, 1966.
[4] GÓMARA, López de. Hispania victrix. Primera y segunda parte de la historia general de las Indias. Madrid: Atlas, 1946.
[5] OVIEDO, Gonzalo Fernández de. Historia general y natural de las Indias. Madrid: Atlas, 1959.
[6] COLÓN, Hernando. Historia del Almirante. Madrid: Historia 16, 1984.
[7] GARCILASO DE LA VEGA, Inca. Obras completas. Madrid: Atlas, 1961.
[8] ACOSTA, José de. Historia natural y moral de las Indias. Madrid: Atlas, 1960.
[10] MORE, Thomas. Utopia. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d.
E, Thomas. Utopia. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d.
, 1960.

CENTRO DE ESTUDOS ARQUEOLÓGICOS: Abaixo-assinado desocupação da Casa de Fazenda do ...

Centro de Estudos Arqueológicos: Abaixo-assinado desocupação da Casa de Fazenda do ...: "http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N12164 Os arqueólogos e demais signatários desse documento, tendo tomado conh..."

sexta-feira, 29 de julho de 2011

O CURANDEIRO É A SOLUÇÃO

Ainda hoje os curandeiros são muito procurados no Peru, pois eles curam utilizando ervas e rezando, de acordo com antigas tradições indígenas. Fora isso, também trazem a pessoa amada de volta, resolvem problemas de inveja,  ódio, hostilidade e muito mais. 


Anúncio exposto no centro de Lima

Desde a antiguidade, o homem andino possui grande conhecimento sobre determinadas doenças, como por exemplo, paralisia, problemas no pulmão e no coração, deformações físicas diversas e outras. Isso pode ser comprovado examinando cerâmicas de várias culturas andinas, como a Chimu e a Moche, que deixaram muitas peças representando lábio leporino,  mutilações, defeitos físicos, amputações e outras enfermidades.

Cerâmicas representando enfermidades

Deformações no nariz e lábio superior

Atualmente, esses ditos "bruxos" conseguem curar diversas enfermidades usando, por exemplo, um ovo para diagnosticar câncer. Ao passá-lo no corpo do paciente várias vezes, o que houver de errado passará para dentro do ovo e ao abri-lo formas estranhas serão encontradas. Assim, o diagnóstico poderá ser feito e também o preparo dos unguentos ou chás a ministrar ao doente. Os banhos de ervas são comuns, as benzeduras, as defumações e os chás, que são sorvidos pelo curandeiro e em seguida cuspidos na pessoa a ser tratada. Essa é a chamada medicina tradicional que, entre outras coisas, é procurada por motivos psicológicos, pois o medo, ansiedade e as frustrações levam as pessoas a buscar a proteção da magia ou da religião. Também o isolamento de algumas populações, o analfabetismo e a pobreza são alguns dos motivos sócio-econômicos que permitem que a medicina tradicional subsista. Por fim, mencionamos a questão política como fator, visto que só recentemente povos da área andina e da selva passaram a ter acesso a médicos. Até então, eles só podiam contar com os curandeiros e as parteiras.
O símbolo da medicina tradicional foi encontrado em Chavín de Huantar num monolito, onde aparece o hampicamayoc, um médico antigo com cara de jaguar, a cabeça com serpentes e na mão o cacto psicotrópico, conhecido como San Pedro, que produz alucinações ao ser ingerido e permite ao médico o poder da cura. 

Hampicamayoc [1]


Cacto San Pedro

O mais importante a saber é que a concepção de doença na medicina tradicional é bem distinta da medicina acadêmica, pois de acordo com a cosmovisão indígena, os deuses bons são os que protegem as pessoas para que sejam saudáveis e os deuses maus são os que provocam as enfermidades, mortes e outras desgraças. Portanto, a busca por curandeiros na atualidade é absolutamente compreensível, pois não basta o uso de remédios, faz-se necessária a realização de rituais, oferendas, tudo para conseguir a intervenção divina no processo de cura.

OBS: Fotos de acervo próprio.

terça-feira, 26 de julho de 2011

A FESTA DOS MORTOS NO MÉXICO

Ainda me lembro quando anos atrás vi uma exposição no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, sobre a Festa dos Mortos no México. Fiquei espantada, pois não fazia ideia do quão diferente era. A princípio achei que fosse um pouco de exagero, mas não...realmente, é uma comemoração muito importante e que ocorre desde os tempos pré-hispânicos. Para os mexicanos a morte tem uma conotação bem diferente, eles não a temem, muito pelo contrário, a comemoram, porque acreditam que dela renasce a vida. Segundo Octavio Paz, o mexicano olha a morte cara a cara, com impaciência e ironia [1].
Desde 3.000 anos atrás diversos grupos meso-americanos realizavam rituais à morte por volta do mês de agosto e com a chegada dos espanhóis no século XVI, essa festa foi associada a crenças cristãs, como o Dia de Finados, e passou a ser comemorada de 31 de outubro a 2 de novembro. Nesses dias são feitos vários rituais e as ruas e o cemitério enchem-se de cores, as pessoas se fantasiam, fazem pães em forma de caveiras, enfeitam os túmulos com muitas flores e presentes para seus parentes, tornando essa festa um grande espetáculo e símbolo da identidade nacional. Tanto é, que em 7 de novembro de 2003 a UNESCO declarou essa festa Patrimônio da Humanidade.
Antigamente, a festa era comandada pela deusa Mictecacíhuatl ou Dama da Morte e atualmente ela é representada pela "Catrina", personagem criada por José Guadalupe Posada, famoso pintor e caricaturista mexicano, que aparece abaixo no mural de Diego Rivera ao lado da sua personagem e do próprio muralista representado como menino.




Sueño de una tarde dominical en la Alameda - Diego Rivera [2]


Toda essa comemoração tem o intuito de agradar os mortos, que virão visitar seus familiares e por isso, os túmulos são artisticamente enfeitados e em cada casa se constrói um altar com as fotos dos parentes a homenagear, flores, muita comida e velas, que guiarão o caminho desses espíritos. O dia 31 de outubro é dedicado às crianças defuntas e se colocam flores brancas sobre a mesa e se oferece pão, chocolate e outras iguarias apreciadas pelos pequenos. Na manhã do dia 01 de novembro ainda lhes é servido o café, pois em seguida eles regressarão ao lugar a que pertencem. Depois, a mesa é decorada com flores amarelas, que representam a chegada dos espíritos adultos. Também é ofertada considerável quantidade de comida, bebida (pulque e tequila) e, por vezes, cigarros, caso o parente fosse fumante. No dia 2 de novembro todos os espíritos vão embora para só retornar no próximo ano.


[3]

[4]

Cabe lembrar ainda, que por considerarem a morte algo tão corriqueiro, na tal exposição que visitei, tinha também uma grande coleção de fotos post morten. Mesmo sabendo que foi um costume comum em diversas partes do mundo no século XIX, período em que a fotografia era cara e por isso, uma espécie de última homenagem ao familiar, assim mesmo, fiquei um tanto atordoada com aquelas imagens de crianças vestidas de anjinho sentadas em uma cadeira com os olhos abertos, ou seja, como se estivessem vivas. Ou então, dentro do caixão ou até mesmo no colo das mães. Havia fotos de adultos também e confesso que me pareceu tudo muito macabro. A exposição me fez repensar o conceito de morte e perceber que para muitos povos, inclusive os mexicanos...trata-se de algo bem menos inquietante.


[5]



[1] PAZ, Octavio. O labirinto da solidão. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
[2] http://www.ecured.cu/images/2/21/Alameda.jpg
[3] http://3d02.galeon.com/
[4]http://inespiral.nireblog.com/post/2008/11/03/dos-de-noviembre-cempasuchil-catrina-y-copal
[5]http://riobobenseelcarpinterodelamontanaazul.blogspot.com/2010/03/se-perdio-un-angelito-en-mi-pueblo-en_03.html

domingo, 24 de julho de 2011

O CÃO QUE SALVA VIDAS!!!

O Cão sem Pelos do Peru, popularmente conhecido como Cão Peruano, é oriundo da Ásia, mas chegou ao Peru há mais de 3.000 anos. Isso foi comprovado através de achados arqueológicos, como ossadas desse cão encontradas em túmulos e também vasilhas cerâmicas representando o animal feitas pelos grupos Chavín, Moche, Wari, Vicús, Chimu, Chancay e Inca.


Cerâmica pré-colombiana representando o Cão Peruano [1]

Na antiguidade esse cão foi utilizado em rituais religiosos e era sacrificado aos deuses. Mas, também foi criado para consumo de sua carne e para aliviar os sintomas de algumas enfermidades como reumatismo, bronquite e dor de estômago, visto que a temperatura de seu corpo oscila de 39 a 42 graus. Por não possuírem pelos não provocam alergias e são desprovidos de pulgas, o que os torna bons companheiros para esquentar seus donos em noites frias.
Devido à grande importância desse animal no Peru, em 22 de outubro de 2001 o Congresso da República peruana o reconheceu como patrimônio da nação e o Instituto Nacional de Cultura decidiu que todos os sítios arqueológicos da região costeira devem ter um Cão Peruano, afinal...ele faz parte do patrimônio nacional. Sem dúvida, um cão bem diferente...por sua estética....e também pelos benefícios que traz ao ser humano. Eles não são apenas companheiros de brincadeiras, como a maioria dos outros cães, eles realmente auxiliam na sobrevivência humana. Ele aguenta temperaturas distintas, mesmo sendo típico da região costeira e, por isso, foi levado a todas as partes do território peruano e até hoje a população carente o utiliza não só como mencionamos acima, mas até mesmo para amamentar as crianças, pois a maioria das mulheres são desnutridas. É realmente uma raça especial...


Cão Peruano [2]

sábado, 23 de julho de 2011

DO MILHINHO AO MILHÃO

Quando saboreamos uma bela espiga de milho hoje, sequer imaginamos que seu parente mais próximo era de tamanho diminuto. O teocintle é esse parente que teria dado origem ao milho por volta de 8.000 anos e que foi sendo domesticado pelo homem americano em pontos diferentes do continente.

Teocintle


Os pesquisadores ainda hoje discutem essa origem. Muitos tentam provar a participação de outras plantas nesse processo através da hibridização de sementes e também se seria originário do sul do México ou da região andina ou simplesmente, de vários lugares. O mais importante é que a participação do homem nesse processo foi fundamental, ou seja, a transformação de uma plantinha frágil (com ou sem a participação de outras) em espigas de tamanhos e cores diferentes só foi possível graças à sua domesticação. Hoje podemos encontrar mais de 200 tipos de milho no mercado e essa planta americana se converteu num dos principais alimentos do mundo.



CHAVÍN DE HUANTAR

Chavín de Huantar é um sítio arqueológico com 3.400 anos, que fica situado no Departamento de Ancash, serra peruana. Declarado patrimônio mundial pela UNESCO em 6 de dezembro de 1985, hoje é bastante visitado por turistas do mundo inteiro que geralmente partem de Lima em direção à cidade de Huaraz e de lá embarcam num micro-ônibus de turismo pela cordilheira até chegar a um pequeno lugarejo chamado Chavín.



Plaza Mayor

Esse complexo arqueológico trata-se de centro cerimonial importante, do qual apenas se conhece a parte monumental. São vários edifícios religiosos, que em seu interior podemos encontrar galerias, canais e dutos de ventilação, dando-lhes um valor cultural único. Encontra-se também grande quantidade de peças representantes da arte lítica com caráter cultista, como figuras antropomorfas e zoomorfas. Aparecem principalmente o réptil, o felino, a ave e a serpente. Entre os exemplos que chamam mais a atenção no sítio arqueológico, destacam-se: El Lanzón, Las Cabezas Clavas, El Obelisco Tello, La Estela Raymondi, La Cornisa de los Jaguares, Lápida del Chamán, La Portada Blanca y Negra etc

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Pórtico de las Falcónidas

El Lanzón

Cabeza Clava

Chavín começou a ser escavada em 1919 por Julio C. Tello, muito embora outros pesquisadores já tivessem feito alguns estudos descritivos. Houve várias fases de escavações, sendo a última de 1995 a 2009 e mesmo assim, ainda há muito trabalho a ser feito.O mais interessante desse centro cerimonial é que podemos dizer que aí se formou a primeira teocracia do antigo Peru, pois os sacerdotes locais eram a elite e controlavam as obras, a agricultura e tudo o que fosse necessário para a manutenção de seu poder. Por ser um lugar em que chegavam muitos peregrinos com oferendas para os deuses locais, Chavín passou também a ser um grande centro comercial e muito embora o correto seja falar em escambo, o certo é que naquele local acudiram diferentes povos provenientes não apenas da serra, mas também da região costeira e da selva. Isso fez com que Chavín se convertesse num dos lugares mais importantes da antiguidade andina e seu abandono possivelmente se deve a mudanças climáticas bruscas que fizeram com que os sacerdotes não mais conseguissem manter a sobrevivência da população com "ações mágicas".


OBS: Fotos de acervo próprio.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

FERRAMENTAS DE PESQUISA I

Começarei a compartilhar meu conhecimento sobre as diversas ferramentas de pesquisa disponíveis para historiadores da América e outras áreas, mesmo que muitas sejam óbvias. Partirei das mais populares e aos poucos chegaremos às mais especializadas. Afinal, sempre haverá leigos e alunos de História começando suas pesquisas. Espero que ajude.
A internet pode auxiliar muito o trabalho de pesquisa, desde que se acessem sites especializados. Com palavras-chave a respeito do tema a ser pesquisado entramos no


e começamos a garimpar material que nos interesse, depois partimos para o Google Acadêmico


e em seguida o Google Livros


Só nisso já conseguiremos encontrar sites interessantes, artigos especializados e livros, que tratam do tema e apresentam uma bibliografia a ser consultada.
Cabe lembrar, que de acordo com o tema de pesquisa de cada um, é possível encontrar material mais especializado acessando o google de cada país. No meu caso que pesquiso História do Peru, constantemente acesso o google do Peru


e o da Espanha


Passamos aos sites de bibliotecas, dando preferência às que possuam acervo digital. Bancos de teses, sites de institutos de pesquisa, universidades e de arquivos podem proporcionar um levantamento bibliográfico e documental mais específico.
Dentro disso, podemos destacar a princípio os seguintes sites que auxiliam em pesquisas sobre História da América e muito mais:

Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes

Internet Archive

Banco de teses

Arquivos espanhóis

Arquivos europeus

Arquivos

Por hoje é só...em breve mais dicas!!!

sábado, 9 de julho de 2011

CAIAPÓS: POVO ESQUECIDO DE FRANCA - SP



Na nossa região habitaram os Caiapós[1], povo simples, que teve contato com os primeiros bandeirantes no começo do século XVII, sendo Belchior Dias Carneiro o responsável pelo primeiro registro de 1607. Tais índios viviam em aldeamento entre os rios Pardo e Sapucaí, na região de Batatais, que recebeu esse nome exatamente porque tinham por costume plantar batatas. Em 1660, os Caiapós foram repelidos, mas retornaram no século XVIII e rondaram a região até o início do século XIX, quando foram definitivamente expulsos da região. Nessa época, criou-se a freguesia de “Nossa Senhora da Conceição da Franca” em homenagem ao governador da Capitania Paulista, Antônio da Conceição José da Franca e Horta (1805) e em 28 de novembro de 1824 esta se transformou em município com o nome Vila Franca do Imperador. Os Caiapós, cujo nome significa “queima mato”, voltaram a atacar em maio de 1826, evento esse registrado em ofício sobre os “Índios Selvagens” na região de Franca, cujo original se encontra no Arquivo do Estado de São Paulo. Os Caiapós depois de muito tentarem se manter nessa região, acabaram por desistir e foram em direção ao sertão.
Entre seus principais costumes, tanto no passado como nos dias atuais, está o hábito de usar botoques no lábio inferior e nas orelhas, além do uso das pinturas corporais que variam de acordo com a idade, estado de espírito e rituais. As mulheres cuidam do plantio e afazeres domésticos e os homens da “política”, guerra, caça e rituais. Nas aldeias há vários chefes, um em cada casa comunitária e para se tornar um desses homens é necessário aprender com os mais velhos e não necessariamente os chefes devem ser parentes. Para os Caiapós, a aldeia é o centro do universo e a floresta o espaço anti-social, por isso, antes de sair para caçar, pescar ou abrir uma área para o plantio é necessário dançar, cantar, praticar rituais de proteção e depois é necessário agradecer também com novos rituais, mostrando assim a íntima ligação do homem com a natureza. Eles acreditam que os espíritos dos mortos vivem em aldeias distantes, mas só de noite, por isso, as mulheres fumam e cospem durante o plantio para espantar os espíritos. Para eles o homem é formado de corpo, espírito e energia vital e o sangue é considerado uma substância perigosa, pois se a pessoa tem pouco necessariamente contrai doenças e se tem em demasia se torna indolente, por isso, a prática de escarificar as coxas dos meninos ou tatuar o peito dos guerreiros para se livrarem do excesso ou do sangue “mau” de seus inimigos. Hoje os Caiapós são considerados um dos grupos mais ricos do Brasil, graças à exploração de mogno e ouro no sul do Pará.
Em nossa região a herança indígena está presente nos nomes das cidades, na culinária, no conhecimento de ervas para cura ou para tempero e em costumes simples, como andar descalço, banhar-se nos rios, usar cestos e tantos outros hábitos que nos remetem à comemoração do Dia do Índio. A data em si está relacionada ao Primeiro Congresso Indigenista ocorrido no México em 1940, em que grupos indígenas foram convidados a participar e num primeiro momento, desconfiados, não aceitaram. Mas, no dia 19 de abril eles compareceram e desde então no continente americano essa data é festiva. Cabe-nos refletir então, se no Brasil as pessoas realmente reconhecem o valor desses povos ou se simplesmente só se lembram deles quando aparecem nos jornais episódios como o do ataque por Caiapós ao engenheiro da Eletrobrás. Parece que a nossa memória em relação a esses povos apenas absorve o lado negativo, esquecendo da grande contribuição cultural que nos foi legada.

 (Fotógrafo Alex de Almeida)



[1] Agradeço o apoio de Vinícius Pires na coleta de documentação sobre os Caiapós.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

ARTE INDÍGENA?

A conceituação de arte aplicada ao material produzido por grupos indígenas, independe da etnia a que pertencem. Os artefatos produzidos por esses povos continuam a ser considerados artesanato, ou seja, o artesão apenas repete modelos pré-existentes, caracterizando assim uma arte menor. Porém, não podemos esquecer que esses ditos modelos representam o resultado da confluência de concepções coletivas e individuais, não privilegiando o individualismo como na arte ocidental.

Os produtos artesanais, em geral, são fabricados em grande escala, o que acarreta uma tendência à homogeneização e seus produtores transformam seu trabalho em mercadoria. Dificilmente um artesão consome seu próprio produto. Ao contrário, os objetos produzidos por indígenas podem ser chamados de artísticos, pois muito embora possam ter uma utilidade prática, possuem a qualidade do belo e portam códigos sociais e conteúdos mágicos e religiosos das comunidades que os produzem[1].
Percebemos então, que a melhor maneira de examinar essa peculiaridade dos materiais produzidos por grupos indígenas é à luz da “etno-estética”.
A etno-estética dá ênfase à necessidade de estudar em sua totalidade o contexto da arte para poder entender sua estrutura simbólica e sua integração com outros domínios da cultura. Seu propósito é apresentar a arte y a estética de outras culturas desde o ponto de vista de seus criadores[2].

Para estudarmos peças indígenas, temos que entender a história do grupo étnico analisado, seu modo de vida, sua cosmovisão e o significado de seus códigos de conduta, que muitas vezes não dizem respeito apenas ao grupo em questão, mas também àqueles com quem praticam o intercâmbio.
Para exemplificarmos tal estudo, analisaremos algumas peças produzidas pela cultura Inca que habitou grande parte da zona andina no final do século XV e início do XVI, quando chegaram os espanhóis. Para entendermos a complexidade de suas obras, precisamos antes conhecer um pouco da história da formação do Império Inca.
Os incas são provenientes da região próxima ao Lago Titicaca e segundo seus mitos são filhos do deus Sol, que os enviou numa missão “civilizatória” para o Vale de Cuzco, de onde prosseguiram em seu projeto expansionista. Para que isso acontecesse foi fundamental a reciprocidade praticada com as demais etnias a serem assimiladas pelo Império. Essa reciprocidade era uma característica de todos os povos que habitavam a região andina e se dava dentro dos grupos de parentesco, ou seja, quando indivíduos de ayllus intercambiavam produtos e serviços[3].
A inexistência de dinheiro e comércio no mundo andino foi substituída pela reciprocidade e redistribuição que ajudaram a organizar a economia e a estrutura social incaica. A terra era o elemento mais importante para a população andina, mas durante o domínio inca foi repartida em terra do Inca, do Sol e do povo. Cada família recebia seu pedaço de terra para plantar e criar animais, tirando daí o seu sustento. O tamanho da área territorial que o Estado tomava para si de cada grupo étnico variava, pois de acordo com as palavras de Polo de Ondegardo, isso se dava em conformidade com a natureza das terras e de sua população. As terras dedicadas ao culto eram cultivadas e administradas separadamente e o produto da colheita armazenado em depósitos próprios[4].
Quando o Tahuantinsuyu se formou foi indispensável contar com a força de trabalho dos diversos grupos étnicos anexados aos domínios incas através da reciprocidade. A posse da terra centralizou o poder na figura do Inca, o que propiciou o controle de toda a produção necessária para a redistribuição. Dessa maneira, as bases da economia incaica, a reciprocidade e a redistribuição, prosseguiram funcionando tanto nos ayllus, como em relação ao Estado, beneficiando, em parte, a integração do território inca, já que algumas etnias prosseguiram insatisfeitas ante o domínio incaico.
Para que esse sistema funcionasse era necessário que o Inca visitasse esporadicamente todos os chefes locais de seu território presenteando-os com artigos de luxo, como cerâmicas, tecidos, arte plumária e outros. Sendo assim , os chamados artesãos eram fundamentais não só pela alta qualidade de seus produtos, mas porque as suas tarefas eram fundamentais para o funcionamento da reciprocidade.
Porém, como podemos observar nas peças abaixo, esses produtos não eram apenas uma realidade material, e sim, formas de pensamento, pois expressavam a necessidade de legitimação do poder Inca. Serviam para explicar a cosmovisão incaica e principalmente, o seu desígnio divino para dominar tais populações, visto serem eles os portadores dos ensinamentos agrícolas que propiciaram a sedentarização daqueles povos outrora “selvagens”.
Começamos com a imagem do “orejone” inca, que deverá ser visto como “aquele que manda” e a simbologia do poder é expressa através dos grandes orifícios nas orelhas, que eram preenchidos por discos de madeira ou de ouro.


(Qero Inca)


No campo sagrado, temos a representação do deus Viracocha em ouro, que é uma das principais figuras da religião incaica e que numa amostra da soberania desse povo, conforma uma faca de sacrifícios, que tanto poderiam ser de animais como humanos. Percebemos desse modo, que o Império Inca não utilizou apenas a reciprocidade para garantir a sua expansão, mas também as crenças nos deuses e principalmente, o temor de uma vingança destes, caso o povo não se submetesse.




(Tumi[5] em ouro)

Percebemos que as idéias não se desprendem da matéria e os conceitos indígenas se expressam diretamente através de elementos materiais, sejam eles naturais ou feitos pelo próprio homem. Assim, seus produtos cristalizam o mundo cultural, material e ideal de suas sociedades e os contem.
Outros exemplos são os huacos[6] eróticos produzidos para explicar o funcionamento do corpo humano, a sexualidade e o quanto ela deve ser bem aceita entre os povos andinos, pois a reprodução é fundamental para a sobrevivência de sociedades que vivem do trabalho coletivo da terra.  Esses objetos não podem ser vistos como mero artesanato, pois sua essência é pedagógica e demonstrativa da simbologia e necessidades incaicas e de grupos pré-incaicos.





  
(Huacos eróticos em argila)


Hoje sabemos que isso está se perdendo, pois as comunidades indígenas inseridas no sistema capitalista estão convertendo sua arte em artesanato. Aquilo que antes era expressão de um mundo simbólico não dissociável do mundo real, agora é apenas um produto para participar do processo comercial, o que leva, por vezes, à perda do sentido tradicional. Esses produtos retirados de seu contexto perdem o sentido de sua confecção original, pois passados a mãos alheias se distanciam de seus significados e importância e se convertem em artesanato. Quem adquire uma peça dessas, nada sabe sobre a vida de quem a produziu e muito menos, sobre o que representa para quem a elaborou e isso leva à descaracterização cultural e social dos grupos indígenas.
Esperamos ter conseguido mostrar com esses pequenos exemplos que os povos indígenas criaram peças artísticas e não somente artesanato, visto como uma mera repetição do mesmo padrão tradicional. A produção cultural indígena é dinâmica e sua plasticidade é resultante de confluências culturais e inquietações coletivas. Se hoje alguns grupos são levados a produzir suas obras em série, distanciando-se por completo das antigas particularidades de suas culturas e esquecendo o sentido original das mesmas, isso se deve à luta pela sobrevivência impingida pelo colonizador branco, que ainda hoje continua expropriando terras e confinando grupos indígenas a parcos territórios, onde eles sequer conseguem o material outrora utilizado na confecção de suas peças.

BIBLIOGRAFIA
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[1] R. HERRERA, Neve Enrique. Artesanía y organización social de su producción. Estructura de su organización  gremial. Centro de Investigación y Documentación de Artesanías de Colombia “Cendar”, Santafé de Bogotá, 1992, p.27.
[2] WHITTEN JR., Norman E., WHITTEN S., Dorothea. Reflections on ethnoaesthetics and art worlds. In: GUCHTE, Maarten van de (Ed.). Masquerades and Demons. Tukuna Bark-Cloth painting. Krannert Art Museum and Kinkead Pavilion. Urbana-Champaign: University of Illinois, 1992,  p.31.
[3] "La reciprocidad se ejercía, entonces, a través de la mutua prestación de energía humana para la producción comunitaria; a esto llamaron los cronistas ayni, considerándolo como una suerte de ayuda mutua y no como la obligación que era, originada en los lazos del parentesco”  PEASE, Franklin. Los Incas. Lima: PUC, 1992, p.60.
[4] POLO DE ONDEGARDO, Juan. Informaciones acerca de la religión e gobierno de los incas. In: URTEAGA, Horacio H. CLDRHP. Lima: Imprenta y Librería San Marti, 1916, p.58.
[5] Faca de sacrifício.
[6] Objetos sagrados de cerâmica.