sábado, 22 de outubro de 2011

PERU: IMAGENS DAS FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA


      Quando estive em 1992 no Peru pela primeira vez, pude presenciar o Golpe de Estado decretado a 5 de abril desse ano, pelo então Presidente Alberto Fujimori.
Nessa época, não me inteirei de fatos suficientes que esclarecessem todas as dúvidas que me assolavam. Como mera espectadora, me ative a perceber quais as condições em que vivia a população daquele país e como estava a situação econômica.
O Peru atravessava uma grave crise econômica com inflação alarmante e sofria com os ataques acirrados do Sendero Luminoso (SL) e do Movimento Revolucionario Tupac Amaru (MRTA), que há muito propagavam o terror por todo o país.
Tudo isso, aliado à falta de água, cortes de luz, falta de emprego, remuneração baixa, racismo contra a população de origem indígena, falta de moradia e transporte precário, formava um quadro nada promissor.
Dois anos depois do Golpe, regressei ao Peru e constatei que pouca coisa  havia se modificado, mas, desta vez, comecei a entender o porquê de tanta injustiça social, que é a característica atual mais marcante.
Retrocedendo um pouco no tempo, chegamos à época de Alan García (1985-90), presidente que, segundo a opinião geral, foi o responsável pelo aumento desregrado da inflação, pela redução da produção e pelo aumento do subemprego, deixando o país em total descalabro econômico.
Foi nesse período (década de 80) que eclodiu o movimento senderista, seguidor da linha maoísta, e o MRTA, ferrenhos castristas (Fidel Castro). Estes se infiltraram junto às camadas da juventude popular, pregando a hostilidade ao Estado[1].
Nessa época, começaram os grandes movimentos migratórios, quase todos em direção aos grandes centros. Isso era normal, mesmo antes do terrorismo, porém, a partir da década de 80, aumentaram substancialmente, pois a população (principalmente os camponeses nos Andes, região mais afetada) se encontrava entre os ataques dos terroristas e as ações do exército. Começou assim o deslocamento, em massa, de pessoas em busca de refúgio e novas condições de vida[2].
A partir dos anos 80, conforme afirma Olarte, a vida social, política e econômica ficou marcada pela violência, pois as ações subversivas e terroristas do SL e depois do MRTA, além do narcotráfico, dificultaram o ajuste e a estabilização econômica, tornando difícil o desenvolvimento peruano[3].
Nas eleições de 1990, dois candidatos se destacavam, de um lado, Vargas Llosa com propostas tecnocratas e do outro, Fujimori que tinha por lema a “honestidade, trabalho e tecnologia”[4].
Fujimori venceu, mas não tardou a contrariar o prometido em campanha, passando a assumir um comportamento tecnocrático e autoritário.
Quando em 5 de abril de 1992, ele dissolveu o Congresso, reestruturou o Poder Judicial e conformou um “Governo de Emergência e Reconstrução Nacional”, com o respaldo das Forças Armadas, estava começando um período de grandes mudanças e de “autoritarismo”.
A prisão do líder senderista, Abimael Gusmán e de outros dirigentes do SL e do MRTA, elevou a imagem política de Fujimori, que agora contava com o apoio de parte da população. Muitos passaram a crer que o regime autoritário pudesse levar ao desenvolvimento do país, pois se basearam no exemplo de Pinochet[5].
A realidade é que o país prossegue com grandes conflitos sociais, onde o estancamento econômico influiu no mercado de trabalho, fazendo aumentar o desemprego e o subemprego e a democracia está longe de ser alcançada.
Esta situação crítica é ainda pior, quando me detenho numa análise da realidade da população peruana de baixa renda que hoje luta para sobreviver.
Tratarei especificamente da situação de Lima, capital do país, que concentra mais de 8 milhões de habitantes e muitos problemas.
Lima é uma grande cidade e, igual a tantas outras, tem bairros de classe alta, com famílias que vivem sem dificuldades financeiras e bairros de classe média, nos quais, conseqüentemente, os problemas já são maiores. Mas, a situação começa a ficar realmente preocupante nos locais onde se concentram as classes de baixa renda.
A cidade de Lima foi crescendo, inchada também com o grande número de imigrantes que vieram de outras partes do país, fugindo do terrorismo e buscando melhores condições de vida. Porém, encontraram uma realidade difícil, tendo que submeter-se ao subemprego e conseqüentemente a habitar moradias em más condições.
As famílias de baixa renda que conseguem ficar no centro de Lima aglomeram-se em grandes casas antigas, onde antes só habitava uma família e que hoje estão quase em ruínas, oferecendo um sério risco de vida a seus moradores. Nos pátios internos de tais casas, ainda são improvisadas “casitas” de madeira ou palha (pouco chove em Lima).
Os que tiveram por necessidade buscar outros locais para viver ocuparam as regiões desérticas, fora de Lima, sem as menores condições urbanas. Nesses lugares construíram primeiramente casas de palha, depois apareceram algumas de madeira e de tijolo, formando os “Pueblos Jovenes”, que aqui conhecemos pelo nome de “favelas” e em outros países são conhecidos por “vilas miséria” ou “cidades perdidas”.
Alguns desses locais cresceram tanto que hoje são denominados “urbanizações” e alguns já possuem saneamento básico, escolas, postos de saúde, comércio, mas ainda sofrem com os cortes de água e luz.
Em sua maioria, tais urbanizações localizam-se no cone norte de Lima e no cone sul. Essa população procura trabalho no centro de Lima e para lá chegar submete-se a passar de 1 a 2 horas dentro de micro-ônibus, que se encontram normalmente em condições precárias, pois são velhos, apertados e andam sempre cheios.

Bairro Pachacamac - Lima - Peru

Um dos templos do sítio arqueológico Pachacamac
ao lado do bairro do mesmo nome


Parte dessas famílias vive da economia informal, sendo que alguns conseguem emprego na construção civil, onde ganham mais. O salário mínimo atual é pouco mais de U$200 mensais, o que faz com que muitos tenham trabalhos eventuais para aumentar a renda familiar mensal.
Conforme o que nos afirma Francisco Verdera, realmente houve uma mudança no mercado de trabalho em Lima, onde subsiste grande número de trabalhadores não sindicalizados na construção e de vendedores ambulantes[6].
A família de baixa renda no Peru de hoje, é forçada a migrar, quase sempre para os grandes centros, principalmente Lima, e assim mesmo, prossegue vivendo na pobreza e algumas vezes, em piores condições das de quando viviam em suas regiões de origem.
Os jovens pobres de Lima, muitas vezes, são forçados a buscar outras formas de ganhar a vida, tornando-se repassadores de drogas, ladrões ou se prostituindo. Quando muito, conseguem empregos onde são mal pagos, mas têm que trabalhar muitas horas. Nos fins-de-semana extravasam toda  sua angústia, e até, indignação, nas diversas danceterias espalhadas pela cidade, onde se vê de tudo: brigas, gente alcoolizada, drogada, prostitutas e muitos, muitos jovens insatisfeitos e é grande o número deles que possui sérios problemas psicológicos, por isso a necessidade de “agredir” a sociedade à sua maneira.
Outros, para conseguirem ter apoio gratuito, costumam integrar-se a Grupos de Jovens das Igrejas. Nesses locais encontram ajuda, companheiros e se sentem úteis, pois costumam ser responsáveis por atividades educativas e desportivas junto a outras crianças carentes.
Em geral, as famílias de baixa renda em Lima possuem grandes conflitos familiares, o que não nos é totalmente estranho. Pais que não se entendem com os filhos e vice-versa, casais separados, diversas pessoas de uma família vivendo na mesma casa, gerando mais problemas, além de falta de comida para atender a todos. Enfim, são muitas questões que impedem que tais famílias possam ter uma vida digna e tranqüila.
Poderíamos afirmar que a sociedade limenha e, até mesmo a peruana como um todo, está enferma, pois o racismo subsiste e a herança colonial ainda se faz presente no dia-a-dia do peruano que segue resistindo contra tudo e contra todos. São séculos de acúmulo de diferenças sociais e culturais e para solucionar tais problemas seria necessário um esforço conjunto do Estado, ONGs e Igreja na elaboração de estratégias e políticas públicas que atendessem a essa camada social, que cada vez mais se distancia dos ditames dos Direitos Humanos.






[1] Cotler, Julio. Descomposición política y autoritarismo en el Perú. Lima: IEP, 1993, p.17.
[2] Coral, Isabel. Desplazamiento por violencia política en el Perú, 1980-1992. Lima: IEP/CEPRODEP, 1994, p.6-7.
[3] Olarte, Efraín Gonzales de. Una economia bajo violencia. Peru, 1980-1990. Lima: IEP, 1991, p.5.
[4] Cotler, op. cit., 1993, p.21.
[5] Idem, 1993, p.28.
[6] Verdera, Francisco. El mercado de trabajo de Lima metropolitana: estructura y evolución, 1970-1990. Lima: IEP/CIE, 1994, p.33.

OBS: Fotos de acervo próprio.

Um comentário:

  1. Estive recentemente em Lima e Cusco.Apesar de tudo descrito acima me senti muito mais seguro lá como turista que andando e vivendo em S.Paulo. O sentimento nacionalista, ora espontâneo, ora imposto é muito mais presente e forte que aqui.

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