Serra do Cipó - MG - Brasil
Apresentar
um esboço crítico da arqueologia[1]
pede antes de tudo um entendimento do significado de tal vocábulo. Essa palavra
de origem grega refere-se ao conhecimento dos princípios ou relato das coisas
antigas e é utilizada para designar uma ciência em construção que estuda
sistemas sociais, sua estrutura, o funcionamento e transformações com o correr
do tempo, a partir da porção da totalidade material socialmente apropriada,
como artefatos, biofatos e ecofatos[2].
Nas
últimas décadas, ocorreram grandes mudanças em que se assistiu a um período de
questionamento global dos fundamentos ontológicos, epistemológicos e
metodológicos da historiografia e da arqueologia, disciplina que passaremos a
analisar.
Algumas
interpretações na arqueologia
Bruce
G. Trigger escreveu uma das melhores obras sobre a história da arqueologia até
os nossos dias, mostrando como foram ocorrendo as mudanças metodológicas na
interpretação arqueológica, usando para tanto, exemplos e nomes dos principais
pesquisadores seguidores das várias correntes teóricas utilizadas pela
arqueologia[3].
A
literatura arqueológica, segundo Colin Renfrew e Paul Bahn, é composta por
diversas discussões entre os seguidores da linha positivista, marxista,
estruturalista e outras[4].
No
início do século XX, os arqueólogos usavam uma linha teórica positivista
tradicional, que prevaleceu por muitas décadas. A preocupação da época era
mostrar pontos de origem por um processo de “difusão cultural”, assim como ter
um “horizonte cronológico” e uma série de definições de estilos de cerâmica no
espaço e tempo[5].
Por
volta da década de 30, Gordon Childe iniciou a crítica a essa arqueologia
tradicional, usando para isso, uma análise marxista, que só passou a ser examinada
por volta de 1960 e 1970. Para ele, a arqueologia trata-se de uma forma de
história e não uma simples disciplina auxiliar. Os dados arqueológicos são
documentos históricos por direito próprio e não meras abonações de textos
escritos e são constituídos por todas as alterações no mundo material
resultantes da ação humana, ou melhor, são os restos materiais da conduta
humana. O seu conjunto constitui os chamados testemunhos arqueológicos. Estes
apresentam particularidades e limitações cujas conseqüências se revelam no
contraste bem visível entre a história arqueológica e a outra forma usual de
história, baseada em documentos escritos[6].
Na
década de 50, aparecem as grandes descobertas e as cidades perdidas e os
arqueólogos tinham que ser mais aventureiros, do que bons acadêmicos. Mas, é
também nesse período que surge a escavação estratigráfica, que implica que os estratos do sítio sejam
retirados, segundo sua colocação e configuração original, no sentido inverso ao
que foram depositados[7].
Assim, ocorre a destruição dos monumentos arqueológicos em nome da
estratigrafia.
Entre
os anos 50 e 60 houve a reconstrução arbitrária de uma série de monumentos, em
nome da conservação e restauração. Porém, é na década de 60 que aparece a New Archaeology[8],
que é uma linha teórica que se desenvolveu na América e que segundo Luis
Lumbreras, trata-se de uma corrente que surgiu como resultado da obsoleta
arqueologia positivista, visto que esta se colocou à margem do desenvolvimento
técnico da ciência. O empirismo arqueológico, por um lado, e o subjetivismo das
generalizações obrigaram os arqueólogos a estabelecer a necessidade de uma
formulação metodológica de base indutivo-dedutiva[9].
Essa
nova corrente apresenta uma série de falhas, pois como coloca Ian Hodder, a New Archaeology se esqueceu do
indivíduo, considerando-o alheio à teoria social. As vasilhas individuais se
estudavam como meros reflexos passivos do sistema sócio-cultural. Estudava-se
cada vasilha, cada artefato para ver seu funcionamento em relação ao sistema como
um todo[10].
Apesar
desta corrente teórica ter a intenção de romper com a interpretação positivista
tradicional na arqueologia, ela não o conseguiu, porque segundo Funari, esta
corrente apresentava e formulava princípios relativos a processos culturais, visando
a compreensão do comportamento humano em geral e acabou se tornando uma
proposta antropológica que se opunha à mera tentativa de reconstrução histórica[11].
Dessa
forma, a New Archaeology foi
criticada e chamada de funcionalista[12]
e também de ecologista[13]
e em 1970 aparece como reação a arqueologia estruturalista, que proporciona um
método e uma teoria para a análise do significado da cultura material.
Dentro
desse processo histórico de desenvolvimento da arqueologia aparecem uma série de
novos métodos para interpretar os objetos de estudo na área arqueológica como,
por exemplo, baseados na corrente marxista. Para Ian Hodder, na arqueologia
marxista são as condições materiais ou as contradições estruturais que
determinam o indivíduo e as ideologias dominantes as que o mitificam[14].
Luis
Lumbreras, defensor da arqueologia como ciência social, assim como o foi Gordon
Childe, se apoia no marxismo, porém com uma abordagem estruturalista, pois para
ele a arqueologia se preocupa em estudar sistematicamente as sociedades cujos
restos materiais nos permitem reconstruir determinados aspectos de sua vida[15].
Atualmente
a arqueologia não trata somente de assinalar e dispor de uma posição teórica,
mas sim de conseguir seus referentes ontológicos e epistemológicos de maneira explícita
no processo de investigação científica. É importante perceber as mudanças
ocorridas desde o início do século até aos nossos dias e principalmente,
entender a importância do desmantelamento da arqueologia tradicional, frente às
novas teorias existentes.
San Pedro do Atacama - Chile
Considerações
finais
Neste
breve histórico sobre as mudanças ocorridas nas análises arqueológicas podemos
destacar três linhas teóricas de grande importância: a positivista tradicional,
a neopositivista, conhecida por New
Archaeology e a arqueologia como ciência social.
A
corrente positivista tradicional, própria do final da década de 50, tinha no
objeto seu tema de estudo. Dessa forma, os arqueólogos desse período efetuavam
classificações de cerâmica, podendo ser, por vezes, confundidos com historiadores
da arte.
O
neopositivismo constituiu uma escola que se autodenominou New Archaeology e desde a década de 60 tem grande importância nos
círculos acadêmicos norte-americanos.
A
New Archaeology tem seu aparato
conceitual baseado na categoria “cultura”, elaborada pelos antropólogos ou
etnólogos, como noção central e totalizadora da atividade social. Sendo a
“cultura” o objeto de estudo e assumindo que era constituída pelo conjunto de
pautas possibilitadoras da atividade dos indivíduos na vida social, o estudo da cultura
consistia na busca de tais pautas e a
determinação da rede causal de sua configuração.
A
arqueologia como ciência social, que tem suas premissas no marxismo, passou da
pesquisa dos objetos ao estudo das pessoas. O questionamento de uma ontologia
idealista, que submete a realidade a uma categoria totalizadora como o conceito
cultura, implicava a necessidade de desenvolver uma coerente inserção de uma
ontologia materialista no aparato conceitual da arqueologia. A arqueologia como
ciência social responde às incógnitas postuladas pelos arqueólogos, visto que o
objetivo da interpretação arqueológica é entender quem fez o objeto, porquê e
para quê, ou seja, buscar compreender o sujeito em seu meio social, baseando-se
nos restos materiais.
Os
arqueólogos estavam incapacitados de se aproximarem de maneira crítica a
qualquer proposta explicativa da História, da Antropologia ou da Sociologia.
Porém, a influência de Gordon Childe, que se baseava no marxismo para dar um
tratamento contrário frente às seqüências de artefatos dos arqueólogos
tradicionais, os fez tentar romper com o empirismo e assumir o compromisso com
a ciência, buscando a explicação sistemática dos fenômenos sociais no campo da
dialética materialista.
Vestígios Wari - Ayacucho - Peru
Bibliografia
CHILDE, V.
Gordon. Introdução à arqueologia.
2.ed. Lisboa: Europa-América, 1977.
DICIONÁRIO de Ciências Sociais. 2.ed. Rio
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1987.
FRÉDÉRIC,
Louis. Manual prático de arqueologia.
Coimbra: Livraria Almedina, 1980.
FUNARI,
Pedro Paulo Abreu. Arqueologia. São
Paulo: Ática, 1988.
HODDER, Ian. Interpretación en arqueología; corrientes actuales. Barcelona:
Editorial Crítica, 1988.
LUMBRERAS, Luis G. La arqueologia como ciencia social. Lima: Peisa, 1981.
RENFREW,
Colin, BAHN, Paul. Archaeology; theories, methods and practice. New York :
Thames and Hudson ,
1991.
SCHNAPP,
Alain. A arqueologia. In: LE GOFF, Jacques, NORA, Pierre. História: novas abordagens. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1988.
TRIGGER, Bruce G. A
history of archaeological thought. New York :
Cambridge University Press, 1989.
[1]
“Etimologicamente, é a ciência da antiguidade (archaios: antigo, logos:
ciência), no sentido em que o entendiam os historiadores gregos e Josefo nas
suas Antiguidades Judaicas”.
Frédéric, Louis. Manual prático de
arqueologia. Coimbra: Livraria Almedina, 1980, p.19.
[2] Funari,
Pedro P. A. Arqueologia. São Paulo:
Ática, 1988, p.78.
[3] Trigger, Bruce G. A history of archaeological thought. New York : Cambridge
University Press, 1989.
[4] Renfrew, Colin, Bahn, Paul. Archaeology: theories, methods and
practice. New York : Thames and Hudson , 1991, p. 405.
[5] Idem,
1991, p.407.
[6] Childe,
v. Gordon. Introdução à arqueologia.
2.ed. Lisboa: Europa-América, 1977, p.9.
[7] Funari, op. cit., 1988, p.80.
[8] “Ela procura desmontar os paralogismos dos
procedimentos tradicionais, procura tornar explícito o que estava implícito”
Schnapp, Alain. A
arqueologia. In: Le Goff, Jacques, Nora, Pierre. História: novas abordagens. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1988, p.16.
[9] Lumbreras, Luis G. La arqueologia como ciencia social. Lima:
Peisa, 1981, p.7.
[10] Hodder, Ian. Interpretación en arqueología;
corrientes actuales. Barcelona: Editorial Crítica, 1988, p.19-20.
[11] Funari, op. cit., 1988, p.14.
[12]
“...exprime uma atitude diante dos fatos sociais baseada no princípio
filosófico segundo o qual tudo o que existe numa dada sociedade tem um sentido,
um significado...” in: Dicionário de
Ciências Sociais. 2.ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1987,
p.503.
[13] “a
ecologia sócio-cultural parte do
princípio de que o estudo da adaptação de uma comunidade ou área cultural a seu
meio deve levar muito em conta seu nível de complexidade. A maior simplicidade
cultural corresponde maior condicionamento ao meio. Este, por sua vez, afeta a
distribuição da população, além de dispor em certa forma as terras, flora e
fauna” in: Idem, 1987, p.380.
[14] Hodder, op. cit., 1988, p.91.
CONSIDERO MUITO BOA ESSA ANÁLISE HISTÓRICA POSSIBILITANDO ASO NÃO ARQUEÓLOGOS UMA COMPRENSÃO DA ARQUEOLOGIA DE UM MODO HOLÍSTICO.
ResponderExcluirBENEDICTO RODRIGUES
DIRETOR DO CBA
sobenet@gmail.com
Bom trabalho.A América latina precisa descobrir a sua unidade.Quem sabe pelos caminhos da arqueologia?
ResponderExcluirMuito obrigado e acredito sim que a arqueologia auxiliará nisso e em muito mais.
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