Ávila - Espanha
A Espanha do século XV era marcada por traços do medievo
europeu e ao mesmo tempo estava à beira de renovações econômicas, culturais e
políticas, que se fariam sentir nos séculos posteriores. Para compreendermos
sua situação nesse período, necessitamos reportar-nos a fatos que compõem a
história européia da época medieval.
A Europa medieval e renascentista: prenúncio da conquista da américa
Na Europa dos séculos XI a XIII houve grande desenvolvimento
agrícola e comercial, pois a produção de cereais cresceu, ocasionando um
aumento de mercados e feiras e, também, a ampliação da circulação monetária. No
século XII surgiram as primeiras cidades que atingiram seu auge durante o
século XIII. O crescimento populacional em demasia provocou uma crise
alimentar, pois os produtos agrícolas não eram suficientes para abastecer todas
as regiões, provocando a busca de tais produtos em outros mercados, a preço
mais alto.
Nos séculos XIV e XV instalou-se a crise do modo de produção
feudal, pois os períodos de fome (1315-1317 e 1346-1347) acarretaram sucessivas
doenças. A Peste Negra (1347-1351) e as guerras que ocorreram nesse período,
como a dos Cem Anos (1337-1453), provocaram a diminuição populacional na Europa[1].
Essa crise gerou a necessidade de expansionismo, levando à
busca de novas terras e novos mercados que atendessem a demanda das cidades e
do comércio. Com os descobrimentos do século XV ocorreu uma grande
transformação nas concepções de tempo e espaço, pois apareceu o relógio que
serviu para controlar todas as atividades cotidianas. No início, ele despertou
desconfiança e ninguém queria se submeter a uma máquina, pois a luz e os sinos
dividiam muito sabiamente o dia e a noite[2].
Durante a Idade Média ninguém se preocupava em medir o tempo,
pois isso cabia a Deus. O homem desse período explicava os acontecimentos
cotidianos como sendo desígnios divinos. Com o surgimento dos mercadores
passou-se a necessitar de um controle do tempo e também do espaço, pois,
conforme a distância a que ficassem os mercados, mais tempo se perderia e o
objeto mercantil, o lucro, diminuiria.
Jacques Le Goff, analisando a concepção de tempo na Idade
Média, fez uma diferenciação entre o "tempo da Igreja", regido pelo
sino e pela oração, e o "tempo do mercador", que tinha o relógio para
sua orientação. Gerou-se nesse período um conflito entre a Igreja e os
mercadores, pois esta acusava os mercadores de utilizarem o tempo como objeto
de lucro, e no entanto, segundo a Igreja, o tempo pertencia a Deus[3].
O conhecimento do espaço físico, geográfico e cartográfico
foi de grande valia para facilitar as navegações a locais distantes, pois tendo
o controle da distância a ser percorrida, os navegadores podiam calcular o
tempo necessário para realizar a viagem, e conseqüentemente, saber a quantidade
de produtos necessários para o abastecimento da tripulação.
Esse período foi marcado pelas grandes viagens e seus relatos
propagaram-se por toda a Europa, graças ao aparecimento da imprensa, fazendo
com que o homem dessa época passasse a sonhar com as maravilhas encontradas em
outras partes do mundo.
As principais características dos navegadores dessa época
eram a honra, a religiosidade, o fascínio por novidades, bem como o espírito de
guerreiro, conquistador e herói. Esses homens estavam a serviço de Deus e do
seu rei, por isso, seus espíritos aguerridos eram insuflados pela fé que os
movia.
Nesse período, o tempo ainda era "controlado por
Deus", ou seja, não importava quanto tempo se levaria numa viagem dessas,
pois tudo era demarcado pela extensão do percurso. Por vezes, tais aventureiros
nem sequer sabiam se algum dia retornariam a suas cidades, a curiosidade os
levava para longe, o anseio por libertar-se do mundo feudal, a busca do romance
cavaleiresco, do exuberante, isso bastava para que saíssem mar afora.
Eram homens de extrema coragem, pois nesse período não se
buscava o "paraíso" sem temer o que poderia acontecer[4].
Uma extraordinária força de vontade movia os descobridores renascentistas. Para
uns o mar representava um desafio, para outros, o medo. Mesmo assim, um grande
número de aventureiros cruzaram os mares, apesar da forte crença que os
acompanhava de que o mar era o lugar de medo, da morte e da demência, onde
habitavam demônios e monstros e essa idéia não se modificou até as vitórias da
técnica moderna[5].
"Por trás dessas crenças legendárias ou
desses exageros assustadores, adivinha-se o medo do outro, isto é, de tudo que
pertence a um universo diferente. Por certo, os aspectos extraordinários que
eram atribuídos aos países distantes podiam também constituir um atrativo
poderoso. A imaginação coletiva da Europa na Idade Média e na Renascença
inventava, para além dos mares luxuriantes e luxuriosos, paraísos cujas
miragens arrancaram para fora dos horizontes familiares descobridores e
aventureiros. O distante - o outro - foi também um imã que permitiu à Europa
sair de si mesma..." (Delumeau, 1989, p.54).
Os movimentos considerados inauguradores da Idade Moderna - o
Renascimento, o Protestantismo, os Descobrimentos e a Centralização - são
medievais. Conforme as afirmações de Hilário Franco Júnior, o primeiro buscou
os modelos culturais clássicos já conhecidos na Idade Média. O Protestantismo
não passou de uma heresia que deu certo. Os Descobrimentos também tinham suas
bases medievais nas técnicas náuticas (construção naval, bússola, astrolábio,
mapas), na motivação (trigo, ouro, evangelização) e nas metas (Índias, Reino de
Preste João). Colombo, por exemplo, é considerado pelo autor, um homem
medieval, pois tinha por objetivo a difusão do Cristianismo, acima da busca do
ouro. Apenas necessitava dele para realizar uma Cruzada a Jerusalém. Queria
chegar ao Oriente, pois para ele era lá que estava o Paraíso Terrestre. A
Centralização Política era a conclusão de um objetivo perseguido por monarcas
medievais[6].
O homem do Renascimento tinha muitas características medievais, como acabamos
de analisar, porém, foi nesse período que surgiram as utopias que retratam o
anseio por uma sociedade diferente.
"As Utopias da Renascença, por ex.
Thomas Morus, a ilha Utopia, Campanella, a Cidade do Sol, ou a de Bacon, Nova
Atlântida, deixam bem claro a influência de novas idéias filosóficas que estão
surgindo, o aparecimento do Estado nacional e o descobrimento de novos mundos.
A tudo isso, poder-se-á acrescentar que o aparecimento de uma nova consciência
social teria sido impossível sem o insurgimento dos camponeses e burgueses
contra o feudalismo. Face à nova forma de expressão de utopias, tais como o
gênero literário da sátira, descrição de fantásticas viagens por outros
recantos do mundo, como uma forma de expressar os projetos críticos de uma nova
sociedade" (Sidekum, 1993, p.21).
Essas aspirações do homem renascentista de encontrar um
paraíso terrestre impulsionaram cada vez mais os descobrimentos. O homem se
voltou para o mar e a cidade é, acima de tudo, uma poderosa máquina econômica
inteiramente voltada para o mar e o século XV transforma-se no "século do
mar"[7].
A importância de encontrar-se novas terras cresceu e os
mercadores foram expandindo seus negócios. Nesse período, imaginava-se o mundo
tripartido, mas surge uma quarta parte, a América. Quando Colombo aporta em
1492 em terras americanas, gera-se uma grande mudança mental e econômica na
Europa.
Antes de ser descoberta, segundo Edmundo O'Gorman (1992), a
América já havia sido inventada, pois há muito os europeus aspiravam por um
local onde pudessem concretizar seus
planos, como comprovam as Utopias da Renascença.
O Mercantilismo, "conjunto
de idéias, seguido de uma prática política e econômica desenvolvida pelos
Estados europeus na Época Moderna" [8]
é amplamente difundido com o descobrimento. Não queremos afirmar com isto que o
descobrimento da América se deu por motivos puramente econômicos. Os mercadores
financiaram a realização dessa empresa e tinham por objetivo conseguir ouro e
outras riquezas, mas por trás do interesse econômico estava uma grande mudança
de mentalidade. Como apresenta Janice Theodoro da Silva, os "descobrimentos representavam uma
grande oportunidade para os povos ibéricos concretizarem seus sonhos,
construindo, reproduzindo e assimilando na América todo o processo cultural de
que eram originários" [9].
J.H. Elliott afirma que foi a escassez de metais preciosos na
Europa de fins do século XV que impulsionou as aventuras coloniais e os
conquistadores foram recompensados, pois já nos primeiros anos haviam
encontrado ouro nas Antilhas[10].
Existem diferentes teorias sobre os motivos que levaram os
europeus a aventurarem-se pelo mar em busca de novas terras: uns apontam o
fator econômico como principal força motriz e outros, a mudança da mentalidade
européia, que via nos descobrimentos uma forma de realizar suas aspirações de
ascenção social, de enriquecer e viver mais dignamente.
A Espanha dos Reis Católicos
(1469-1516)
Fernando e Isabel
Durante o reinado de Fernando e Isabel, os Reis Católicos,
que uniram as coroas de Aragão e Castela através do casamento, a Espanha era um
conjunto de territórios diversificados e não um único Estado.
Fernando e Isabel conseguiram pacificar os estados espanhóis,
pois estavam presentes em todas as localidades às quais fossem chamados, tendo
viajado muito por todo o reino. Tinham consciência de que a paz nas cidades era
indispensável para manter o território articulado, por isso, fizeram alianças
com as elites urbanas em cada reino[11].
No final do século XV, os estados espanhóis eram pobres e,
enquanto numas regiões havia abundância de alimentos, em outras, as pessoas
morriam de fome. A falta de unidade política era seguida da desunião econômica.
Os Reis Católicos precisavam solucionar esses problemas. Então, em 1492,
Cristovão Colombo, antes repudiado, recebeu a proteção de Fernando e Isabel,
partindo para a sua primeira viagem, que culminou com a descoberta da América[12].
Com esse acontecimento começaram as modificações econômicas, políticas e
sociais nos estados espanhóis, devido aos metais preciosos que passaram a
circular em Castela.
Castela foi o reino mais importante entre os estados
espanhóis desse período, pois tinha vários fatores a seu favor. A rainha Isabel
formou um exército, desenvolveu a agricultura e o comércio, mandou codificar as
leis de Castela ("Ordenanzas Reais") e através da centralização do
poder tentou implantar o Estado moderno, o que beneficiou o crescimento de
Castela[13].
Desse modo, Castela destacou-se e foi a responsável pela descoberta da América,
pois daí partiram os anseios metalistas capazes de atender a uma sociedade em
expansão.
Para a América foram aventureiros e, segundo Henry Kamen, os
pioneiros não eram nobres e sim espanhóis pobres, muitos soldados, marinheiros
sem emprego e alguns jovens de poucos recursos[14].
Francisco Solano acrescenta que a maioria desses
colonos-soldados tinham já idade madura, eram voluntários e desenvolveram nas
Índias o mesmo ideário religioso da luta medieval. Assim, a conquista é uma
cruzada e o conquistador um cruzado, porque a cruz é o símbolo que acompanha
sua ação[15].
No século XVI, os espanhóis consideravam-se o povo eleito e
justificavam seu domínio sobre outros povos como sendo um desígnio divino[16].
Desse modo, Castela transformou-se na potência dominante do
mundo, graças à América. Os Reis Católicos conseguiram manter os estados
espanhóis articulados nesse período, mas começaram a sofrer com as graves
tensões geradas pelas idéias de Reforma e Contra-Reforma. Mesmo assim, é...
"...un período extraordinariamente rico y
variado de la historia de España, en el cual una sociedad medieval reorganizada
y rearticulada, cada vez más expuesta a las influencias intelectuales exteriores,
se vuelca hacia el exterior en busca de un imperio de ultramar y se encuentra a
sí misma inserta en una misión imperial y eligiosa única" (Elliott, 1990,
p.52).
Os espanhóis conquistaram a América e não necessitaram
empregar grande esforço para isso, pois tinham vários fatores a seu favor.
Francisco Solano (1988) defende a idéia de que foi a falta de armamento
adequado por parte dos indígenas e a divisão tribal em etnias que facilitou a
conquista. Guillermo Castillo (1988) remete à ação microbiana a culpa da
derrota dos povos indígenas perante os espanhóis. Numa teoria que abarca mais
fatores, Pedro Azancot (1988) inumera as diferentes enfermidades, a presença do
cavalo e das armas e a introdução do gado europeu como elementos de destruição.
A conquista da América é um episódio que merece um estudo mais aprofundado, não
sendo, entretanto, esse nosso objetivo.
Considerações
finais
Expusemos alguns dados sobre o contexto histórico da Espanha
no período pré-conquista e no início do período colonial. Os conquistadores
espanhóis, apesar de pertencerem à Idade Moderna, estavam imbuídos das
categorias medievais, como a preocupação com a alma e o fanatismo religioso, o
espírito de aventura e sua tendência a realizar-se em horizontes estranhos e
embora tenham vindo em busca de ouro, ambição do homem moderno, não deixaram de
lado a ortodoxia escolástica.
Esses homens que cruzaram o oceano em busca de sonhos,
riquezas e movidos pela fé, depararam-se com um mundo novo, exuberante, em que
puderam realizar seus planos de expansão. De uma Espanha conflituosa, sairam
tais homens comuns, desprovidos de grandes ensinamentos, que no jogo da
alteridade aprenderam a desvendar-se e a olhar o autóctone americano com
admiração, repúdio, desconfiança ou até mesmo, com benevolência, sentimentos
antagônicos próprios de um encontro cultural.
Bibliografia
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Descobrimentos e renascimento. 2.ed.
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SOLANO,
Francisco et al. Proceso histórico al
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[1] Monteiro, 1987, p.74.
[2] Silva, 1991, p.46.
[3] "O conflito entre o tempo da Igreja e o
tempo dos mercadores afirma-se em plena Idade Média , como um dos acontecimentos
maiores da história mental destes séculos, durante os quais se elabora a
ideologia do mundo moderno, sob a pressão da alteração das estruturas e das
práticas econômicas" (Le Goff, 1980, p.45).
[4] "No final da Idade Média, o homem do
Ocidente continua prevenido contra o mar não apenas pela sabedoria dos
provérbios, mas também por duas advertências paralelas: uma expressa pelo
discurso poético, a outra pelos relatos de viagens..." (Delumeau, 1989,
p.42).
[5] Idem, 1989, pp.50-51.
[6] Franco Júnior, 1992, pp.170-172.
[7] Attali, 1991, pp.64 e 70.
[8] Prodanov, 1990, p.14.
[9] Silva, 1987, p.13.
[10] Elliott, 1987, p.193.
[11] Kamen, 1984, pp.40 e 54.
[12] Idem, 1984, pp.89-99.
[13] Sanchez, 1945, pp.273-280.
[14] Kamen, Op. cit., 1984, p.155.
[15] Solano, 1988, pp.24-31.
[16] Elliott, 1990, pp.29.
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