FRANCISCO PIZARRO
“El aventurero analfabeto,
que por azares de la Fortuna
se vio encumbrado a asumir la responsabilidad de gobernante, no tuvo más
recurso que valerse de escribientes”[i].
Por essas palavras de Guillermo
Lohmann Villena percebemos a dificuldade de analisar a vida de Francisco
Pizarro, cujos relatos biográficos[ii] foram
redigidos por familiares, soldados[iii],
companheiros de aventuras, mas nunca por ele como no caso de Hernán Cortez.
Mesmo assim, ele foi bastante cuidadoso em suas escolhas e confiou apenas aos
mais próximos a redação das histórias de que foi protagonista e da documentação
oficial.
Nascido em Trujillo de
Extremadura – Espanha – em 1478[iv],
Francisco Pizarro teve uma infância humilde, o que o levou a tentar a sorte na
América em 1502 na expedição do frei Nicolás de Ovando, o novo governador de La Española. Participou
de diversas viagens à Tierra Firme[v] e foi
companheiro de Vasco Núñez de Balboa na jornada que terminaria no descobrimento
do Mar del Sur em 1513, onde teve as primeiras notícias sobre o Tahuantinsuyu[vi].
Pizarro tinha uns 50 anos e era um dos homens mais ricos do Panamá quando se
associou a Diego de Almagro e ao clérigo Hernando de Luque[vii] para
fazer três viagens em busca do Levante, ou seja, os territórios que ficavam ao
sul do Panamá. A primeira foi feita em 1524, mas diante de várias dificuldades
só conseguiram chegar ao norte da Colômbia e regressaram às proximidades do
Panamá. Na segunda viagem em 1526, conseguiram confirmar a existência do
domínio Inca, porém passaram por graves problemas, fome, doenças, ataques de
tribos indígenas e dos 300 homens que haviam saído do Panamá, grande parte
tinha perecido, o que levou a um episódio famoso na história da conquista.
Estando na Ilha do Gallo com seus homens, Pizarro perguntou quem o acompanharia
para o sul, lugar da riqueza, e treze homens se apresentaram e ficaram assim
conhecidos como os “Trece de la Fama ”. A terceira viagem
iniciou-se em 1531 com mais de 180 homens, uns 30 cavalos e três navios. A
presença dos cavalos denota, segundo Lavallé, que o objetivo da expedição já
não era apenas explorar o Peru, mas conquistá-lo militarmente, tanto que a
artilharia também havia sido reforçada[viii]. Após
terem fundado a primeira cidade espanhola no Peru, San Miguel de Tangarará,
prosseguiram para Cajamarca chegando lá em 15 de novembro de 1532. O Inca
Atahualpa encontrava-se em um acampamento nos arredores de Cajamarca e por isso,
Pizarro enviou Hernando de Soto acompanhado de 24 homens e achando ser mais
prudente aumentar o contingente, enviou também a seu irmão, Hernando, com mais
homens. O plano de Pizarro era repetir a estratégia aplicada por Hernán Cortez
e capturar o chefe do Tahuantinsuyu,
o que aconteceu no dia seguinte, visto que Atahualpa foi convidado pelos
espanhóis a voltar a Cajamarca e aproveitando-se dos limites da praça principal
da cidade, Pizarro o aprisionou.
Atahualpa em sua prisão viveu uma
espécie de liberdade vigiada, pois com ele ficaram suas mulheres, servidores e
os espanhóis proporcionavam-lhe diversão para que não se entristecesse. Um dia,
resolveu oferecer a Pizarro grande quantidade de ouro por sua liberdade[ix].
Segundo o testemunho de Diego Cayo Inga, Atahualpa ao perceber que não o
soltariam mesmo depois de o resgate ser pago, ofereceu ao rei seis milhões de
pesos para que fosse exilado na Espanha. Pizarro não atendeu seu pedido e o
sentenciou à morte para que ninguém soubesse a quantidade de ouro e prata que
lhes entregara para recobrar sua liberdade[x].
Queimaram os cabelos do Inca e logo o amarraram a um poste e o garrotearam. O
corpo ficou exposto até o dia seguinte e quando a notícia se espalhou vários
servidores e mulheres se suicidaram. Manuel de Mendiburu conta que o funeral
foi celebrado com a participação de
Pizarro e seus oficiais, todos com sinais de luto e muito pesar, grande farsa
praticada pelos conquistadores sempre que tiravam a vida a um inimigo[xi].
Com a morte do Inca, os espanhóis
partem para conquistar Cuzco, capital do Tahuantinsuyu. Nesse momento, os
espanhóis passaram a contar com três assentamentos, San Miguel de Tangarará,
Cajamarca e Cuzco, criando-se a necessidade de fundação de um local central.
Pizarro fundou com essa finalidade a cidade de
Jauja em 1534, situada no vale do rio Mantaro, exatamente um lugar
eqüidistante entre Cajamarca e Cuzco e que além disso, estava localizado em
lugar fértil e próspero. Jauja foi assim a primeira capital dos espanhóis e
também o local em que eles realmente se estabeleceram. Depois disso, em função
do descontentamento de alguns espanhóis que tinham índios encomendados na costa
e precisavam estar perto de seus tributários, Pizarro fundou a Ciudad de los
Reyes, hoje Lima, em 18 de janeiro de 1535. Essa passou a ser capital portuária
dos espanhóis por estar localizada na zona costeira e facilitar o trânsito até
o Istmo e ao oceano Atlântico.
Em pouco tempo, Francisco Pizarro e
Diego de Almagro já haviam conquistado e submetido os índios, ocupando os
locais mais importantes. A luta pelo poder se instalou entre os dois
conquistadores e Almagro acabou executado. Três anos depois, em 26 de junho de
1541, Pizarro foi morto por almagristas e enterrado numa Igreja chamada Los
Naranjos e mais tarde, seu corpo foi transladado à Catedral da Ciudad de los
Reyes (Lima).
Nos quarenta anos que se seguiram à
conquista, o mundo indígena sofreu com as guerras e Manco Capac II, meio-irmão
de Atahualpa, rebelou-se e estabeleceu a sede do novo Estado em Vilcabamba, de
onde partiram os ataques contra os espanhóis[xii].
Porém, os espanhóis continuaram dominando e depois de fazerem desaparecer a
redistribuição estatal, prolongaram as antigas formas de tributo, exigindo dos
índios não só trabalho, mas também produtos. O século XVI teve grande
significado para a população indígena, pois seu mundo social, político e
religioso foi profundamente transformado.
CRÔNICAS E HISTORIOGRAFIA DA CONQUISTA DOS
ANDES
"La crónica implica una cercanía en el lugar y
en el tiempo. Los cronistas viven en el espíritu de los acontecimientos que
describen y pertenecen a él" [xiii].
Raúl Porras Barrenechea analisou grande parte das crônicas que trataram
da história do Peru. Segundo seus estudos, as crônicas da conquista foram a
primeira história peruana. A crônica castelhana, ao transplantar-se à América,
trazia consigo uma essência própria e uma larga tradição. No primeiro momento,
relataram as aventuras espanholas e depois passaram a tratar da história dos
povos por eles conquistados, baseando-se na tradição oral e em sistemas de
memória[xiv], como
é o caso dos documentos feitos a partir das informações coletadas junto aos quipucamayocs, especialistas na
decodificação dos quipus[xv].
“[...] los
quipus fueron instrumentos contables complejos (registros de bienes, servicios,
personas; sumas, restas, multiplicaciones, divisiones, medias aritméticas,
cálculo de proporciones; clasificaciones de múltiples niveles)”[xvi].
Há pesquisadores que afirmam
existir quipus narrativos, onde
histórias dos Incas e inclusive pré-incaicas aparecem registradas. Richard
Pietschmann, peruanista alemão, analisou a crônica de Sarmiento de Gamboa e
chegou à conclusão que este utilizou informações contidas em quipus históricos incas em comunhão com
a memória oral[xvii].
Foram muitos os cronistas que
trataram da conquista do Peru e descreveram a aventura de Pizarro e seus homens
por terras andinas baseando-se em suas próprias experiências, por vezes,
registradas nos acampamentos, e nas fontes acima mencionadas. Entre os relatos
mais conhecidos, podemos destacar os testemunhos de Francisco de Xerez,
Hernando Pizarro, Cristóbal de Mena, Juan Ruiz de Arce, Pedro Sancho de Hoz,
Diego de Trujillo, Miguel de Estete, Pedro Pizarro e também as crônicas de
Cieza de Leon, Agustín de Zárate e Garcilaso de la Vega , que abordam o mundo
pré-hispânico e o período colonial inicial[xviii].
Gonzalo Fernández de Oviedo em
sua Historia general y natural de las Índias
preparou uma síntese sobre a ação dos espanhóis na América, baseado em
documentos e testemunhos orais, sendo que no caso dos Pizarro, sabe-se que
nutria verdadeira aversão a eles[xix].
Elogios e críticas apareciam nessas obras, sendo que o principal objetivo era
comunicar aos reis de Espanha os feitos desses homens desejosos de fazer jus às
benesses da coroa espanhola.
Algumas cartas da época também
fornecem dados importantes sobre as conquistas desses homens e diferentemente
de outros documentos, estas permitem perceber sentimentos, medos, a luta diária
pela sobrevivência, visto que muitas vezes a busca por comida substituía em
importância a cobiça por ouro[xx]. Foram
muitas as agruras sofridas por esses homens, que enfrentaram intempéries
climáticas, cansaço extremo e ataques de grupos indígenas hostis e apesar do
êxito militar que alcançaram em relação aos Incas, não predominaram sonhos de
conquista e riquezas nas “relaciones” espanholas dos acontecimentos prévios a
essa conquista, e sim, discursos de sofrimento corporal[xxi]. Só
após a conquista os relatos retomam a vivacidade de um discurso
providencialista herdado do imaginário medieval.
Hernando Pizarro escreveu um dos
primeiros relatos da conquista em si, mas como se sabe, a carta que redigiu em
1533 foi copiada por Gonzalo Fernández de Oviedo e sendo a única cópia que se
conservou, não se pode atestar sua fidelidade[xxii]. As
duas primeiras “relaciones” publicadas
em Sevilha sobre os feitos de Pizarro e seus homens na região andina
foram as de Cristóbal de Mena e Francisco de Xerez em 1534. O primeiro, autor
de La conquista del Peru llamada la Nueva Castilla[xxiii],
responsabilizou Pizarro pela execução de Atahualpa e acusou os espanhóis de
cometerem várias atrocidades, pois saiu insatisfeito de Cajamarca por se sentir
lesado na divisão dos tesouros saqueados. Já Francisco de Xerez, secretário de
Pizarro, na Verdadera relación de la
conquista del Peru[xxiv]
descreveu minuciosamente a expedição empreendida e enalteceu os feitos de
Pizarro e seus familiares. Por representar a versão oficial dos fatos ateve-se
a descrevê-los conforme a solicitação de seu comandante e essa “relación” é uma
das mais editadas até hoje. Pizarro contou com outros secretários, como Pedro
Sancho de Hoz, Antonio Picado, Pero López de Cazalla e Cristóbal García de
Segura. Pedro Sancho foi quem substituiu Xerez e deu continuidade à “relación”
que este escrevia, sendo que agora denominada Relación para S.M. de lo sucedido en la conquista y pacificación de estas
províncias de la Nueva Castilla[xxv]. Nela relatou as
atividades dos espanhóis desde que saíram de Cajamarca até seu estabelecimento
em Cuzco, sendo mais uma versão oficial dos fatos.
Esses primeiros relatos da conquista feitos na
época ou posteriormente mostram um Pizarro altivo, corajoso, de vontade
inquebrantável, a que nada deteve. Era homem de poucas palavras, mas convicto
de seus objetivos e não retrocedeu ao ter que matar e mandar matar para
alcançar o reconhecimento da coroa espanhola e riqueza. Apaixonado pela guerra,
era o primeiro a empunhar armas. Seus homens o temiam mais do que o admiravam,
mas o consideravam um bom capitão, corajoso e disposto a levá-los à vitória ou
a morrer com eles[xxvi].
Para Barrenechea, a biografia de Pizarro tem
sido deformada e precisa ser revisada usando-se o testemunho dos cronistas do
século XVI, sendo que o mais aconselhável seria usar as crônicas dos soldados
que o acompanharam
“[...]escritas unas a raíz de los sucesos, y
otras, años más tarde, rememorando las hazañas de su juventud. En unas
predomina la pasión, en otras, la nostalgia”[xxvii].
Os soldados que acompanharam Pizarro, como
tratado acima, em sua grande maioria, produziram “relaciones” que elogiavam os
feitos de seu comandante e deles próprios. Nessa mesma época, outros cronistas
não tiveram a mesma opinião a respeito de Francisco Pizarro. Além de Oviedo,
como já citado, Francisco López de Gómara em sua Historia
General de las Índias[xxviii]
de 1552 criou a lenda de que Pizarro teria sido amamentado por uma porca e
mais tarde teria criado esses animais na Espanha, depreciando sua imagem para
enaltecer a de Cortez a quem admirava sobremaneira. Las Casas também não se
mostrou favorável a Pizarro, embora nunca tenha estado em terras peruanas. Na
obra Historia general de los hechos de los castellanos en las islas y tierra
firme del Mar Oceano (1601), mais conhecida como Décadas,
Antonio de Herrera y Tordesillas[xxix],
proporciona inúmeras informações sobre Pizarro, mas também expressou algumas
opiniões desfavoráveis ao conquistador.
Para contrapor as visões negativas sobre
Francisco Pizarro, apareceu no século XVII na Espanha uma tendência apologética
de defesa e enaltecimento de sua figura iniciada por Fernando Pizarro y
Orellana na obra Varones ilustres del Nuevo Mundo de 1639[xxx].
Posteriormente, o poeta Manuel José Quintana escreveu Vida de Francisco
Pizarro em 1830, considerada a primeira biografia completa do conquistador,
baseado nas principais crônicas conhecidas naquele período e diversos outros
documentos, tecendo elogios mais cautelosos e por vezes, reconhecendo dados
desfavoráveis a Pizarro[xxxi].
No século XIX, Willian Prescott trabalhou as conquistas espanholas do
México e Peru[xxxii]
de forma épica e no caso de Francisco Pizarro, lhe conferiu características de
perfídia e avareza. Sebastián Lorente esboçou um olhar bem diferente sobre a
conquista, mostrando que a mesma tratou-se de uma invasão e que as populações
locais rapidamente se deram conta de que os espanhóis eram inimigos e não
deuses como cogitaram no princípio[xxxiii]. Na
mesma linha, Manuel de Mendiburu alertou para o fato de que os espanhóis vieram
à América para “invadir y conquistar naciones inocentes y felices” e:
“[...] consumada
la usurpación del territorio americano se establecieron extensas colonias a muy
largas distancias de su metrópoli; la tributaron tesoros asombrosos, absorvidos
luego en las guerras memorables del siglo XVI”[xxxiv].
No século XX, o tema voltou a
suscitar interesse e surgiram muitas obras em que seus autores concentraram-se
em esboçar genealogias e biografias. Entre alguns desses, podemos destacar
Rómulo Cuneo-Vidal, que elaborou extensa biografia de Pizarro e também
descreveu a conquista e o período colonial peruano baseado em documentação
inédita e analisando a participação indígena de um modo inovador, não mais como
meros espectadores nas guerras de conquista, mas como participantes ativos[xxxv]. A
obra de Raúl Porras Barrenechea sobre Francisco Pizarro é uma das mais importantes
e completas, devido à quantidade de documentos consultados, por vezes,
documentos inéditos, e também às análises tecidas[xxxvi].
Guillermo Lohmann Villena contribuiu com a organização da documentação oficial
produzida a mando da Francisco Pizarro, correspondente ao período de 1519 a 1541. Cartas,
disposições governativas, atas, contratos, documentos pessoais, testamentos, e
tantos outros documentos significativos para ajudar a compor a biografia do
conquistador[xxxvii].
José Antonio del Busto Duthurburu
também realizou extensa obra sobre a biografia de Pizarro e os homens que o
acompanharam e entre elas, destacamos Francisco
Pizarro, dois volumes embasados em documentação coletada em arquivos de
diversos países[xxxviii].
Outra importante contribuição é a biografia da filha de Pizarro, Francisca,
feita por María Rostworowski. Nesta pesquisa aparecem dados documentais sobre a
colaboração que algumas tribos do Tahuantinsuyu prestaram aos espanhóis para
derrotar os Incas, bem como, análises sobre os mecanismos da mestiçagem inicial.
Pizarro teve filhos com duas princesas incas, mas não se casou com elas e
posteriormente levou seus filhos para serem educados por espanhóis, na cultura
que ele considerava superior[xxxix].
James Lockhart em seu livro Los de Cajamarca tratou da conquista do Tahuantinsuyo
e também da história dos homens que participaram do episódio mais conhecido da
história andina, o aprisionamento do chefe Inca, Atahualpa[xl]. É uma
análise dos momentos anteriores à conquista e também das características
pessoais de cada membro dessa hoste, como o lugar de onde vieram, camada
social, grau de instrução e outras informações provenientes de vasta
documentação por ele consultada.
Estudos etnohistóricos têm sido
produzidos por diversos autores, como Nathan Wachtel[xli],
Franklin Pease[xlii],
Waldemar Espinoza[xliii],
Edmundo Guillén[xliv],
Juan José Vega[xlv]
e a já citada Maria Rostworowski, entre outros. Esses estudos se caracterizam
por procurar entender a participação do indígena no processo de conquista e ao
longo do período colonial, sendo uma contribuição importante para compreender a
relação entre espanhóis e a população nativa desde os primeiros anos de
presença européia no Peru. Juan José Vega afirma que a conquista demorou 13
anos, sendo que a primeira fase foi a conquista de Cajamarca e o aprisionamento
de Atahualpa e a segunda a luta contra Manco Inca, que chefiou a elite
cuzquenha contra a dominação espanhola de 1536 a 1544. Utiliza as
crônicas para mostrar que a resistência indígena foi grande nesse período e que
os espanhóis tiveram a sorte de encontrar o Tahuantinsuyu dividido em uma
guerra civil entre Atahualpa e Huascar, os dois irmãos que disputavam o comando
desse território. Mesmo depois do aprisionamento e morte do Inca Atahualpa, os
incas continuaram resistindo e só em 1544 se pode considerar concluída a
conquista espanhola[xlvi]. No
que diz respeito a Pizarro, ele considera que seu enaltecimento como grande
conquistador e fundador de cidades se deve a um mal entendido hispanismo, que
impera na historiografia peruana, visto que quem realmente participou de 15
batalhas, fundou mais cidades, recorreu largos trechos do território peruano
foi Diego de Almagro, que as versões oficiais apresentadas por Francisco
Pizarro a Carlos V trataram de ocultar, como no caso das crônicas de seus
secretários Xerez e Sancho[xlvii].
Dentre os estudos mais recentes, especificamente sobre Francisco Pizarro,
sua parentela, a conquista e o período inicial da colonização destacamos o
trabalho de Rafael Varón Gabai, La
ilusión del poder, no qual este se preocupou em ir além dos aspectos
religiosos, militares, políticos e culturais, procurando entender a motivação
empresarial dos conquistadores. Mostrou ainda que o poder de Pizarro era fraco
devido à divisão existente entre os próprios conquistadores e também à oposição
por parte da Coroa em relação a alguns planos pizarristas. Heidi Scott em Más allá del texto: recuperando las
influencias indígenas en las experiências del Peru, como o próprio título
indica, pesquisou a influência nativa sobre a maneira como os espanhóis perceberam
e representaram os territórios americanos durante a conquista. Por último, a
biografia publicada por Bernand Lavallé que traz informações sobre toda a
trajetória de Francisco Pizarro e seus irmãos e mais do que isso, contribui
para compreender as relações entre a Coroa espanhola e os conquistadores.
Francisco Pizarro - Parque de la Muralla - Lima - Peru
A RETÓRICA DA MESTIÇAGEM
A história dos conquistadores da América suscita até hoje diversos
embates retóricos, visto que provocam reações de orgulho e ressentimento. A
partir do começo do século XX, houve uma mudança no discurso devido à
necessidade de identificação de nações mestiças[xlviii] e
por isso, foram feitas estátuas de alguns desses conquistadores, mesmo que em
alguns casos, tais obras tenham sido repudiadas. No México, realmente não
existe estátua e nenhum tipo de homenagem a Hernán Cortez, mas em outros países
foram erigidos monumentos a alguns conquistadores, como por exemplo, na
Colômbia, Equador, Paraguai e também no Chile[xlix]. No
caso peruano, não foi diferente. Rafael Varón nos mostra isso em seu artigo
sobre a estátua eqüestre de Pizarro, que desde que foi confeccionada e exposta
em diferentes lugares da cidade de Lima, gerou lendas, revolta, discussões
variadas, que fizeram com que a estátua passasse por diversos locais,
encontrando-se hoje no Parque de la
Muralla em lugar não tão suntuoso quanto outros personagens
históricos que podem ser encontrados nas praças de Lima. Mesmo assim, a adoção
por parte de algumas nações dos ícones da conquista se deu em função da
necessidade de corroborar a idéia de mestiçagem. Sendo nações mestiças, era
necessário o reconhecimento dos conquistadores como parte de suas raízes e com
a estátua de Pizarro não foi diferente[l]. Como disse
Armas Medina:
“[...] la
sangre de don Francisco Pizarro termina dando sus frutos: el nacimiento de una
nueva nacionalidad, dentro del mundo hispanoamericano, caracterizado por una
misma cultura, una misma lengua y una misma fé [...]”[li]
Sebastián Lorente também finaliza sua obra com um discurso enaltecedor
sobre a mescla de povos rivais, estes que “solo estaban yuxtapuestos, adquieren
la cohesion que con la unidad nacional va á darles estabilidad y médios de
adelantos”. Para ele, nasce assim a geração “Hispano-Peruana”[lii].
A luta entre o Indigenismo e o
Hispanismo, conforme José Antonio del Busto Duthurburu, não foi em vão. Graças a essa
polaridade ideológica hoje existe o Peruanismo, uma corrente equilibrada e
produto do passado, que confere a Pizarro uma imagem histórica de
reconhecimento pelo que fez e principalmente, mostra que foi depois de sua
chegada que começou a mestiçagem racial e cultural dos peruanos[liii].
Esses discursos propiciaram a
retomada de estudos sobre Francisco Pizarro e seus homens, procurando
entendê-los à luz de seu tempo e usando de documentação diversificada
encontrada em arquivos de diferentes países. Pizarro foi tirado do ostracismo
pela necessidade de entender o Peru de hoje, uma nação mestiça que se orgulha
de suas raízes.
[i] LOHMANN VILLENA,
Guillermo. Francisco Pizarro. Testimonio. Documentos oficiales, cartas y
escritos vários. Madrid: CSIC, 1986, p.XVIII.
[ii] Neste artigo não
temos a pretensão de fazer propriamente uma biografia de Francisco Pizarro, e
sim, uma sintética apresentação de alguns dados sobre sua vida e
principalmente, sobre sua participação na conquista do território que hoje
conhecemos por Peru. Faremos um breve ensaio historiográfico sobre as diversas
representações a ele atribuídas desde o século XVI. Para realizarmos uma
biografia teríamos que avançar bem mais, pois conforme Teresa Malatian, para
tal tarefa seria necessário “do pesquisador
um cuidado que de
resto não se distancia
daquele que é
devido a qualquer
outro tipo de
discurso histórico, e que
caracteriza a disciplina
histórica: a compreensão, a
aproximação do personagem até
a impregnação como
ponto de saturação, ideal para que se possa escrever sobre ele, o
trabalho crítico sobre testemunhos diferentes e contraditórios, para que
se amplie o
enfoque analítico e se possam
alcançar tanto aspectos desconhecidos de sua vida como ultrapassar sua
opacidade para seus contemporâneos e mais próximos”. In: A biografia e a
história. Cadernos CEDEM. Ano 1, n.1, jan. 2008, p.25.
[iii] Cabe
lembrar aqui o estudo de James Lockhart, que alerta para o fato de serem poucos
os conquistadores que podemos chamar de “soldados” nesse período, visto que
apenas alguns tiveram experiências que podem ser equiparadas a atividades
militares. In: Los de Cajamarca: un
estudio social y biográfico de los primeros conquistadores del Perú. Lima:
Milla Batres, 1986, v. 1, p. 35.
[iv] A respeito da data de
nascimento de Francisco Pizarro há dúvidas, mas um de seus principais
biógrafos, José Antonio del Busto Duthurburu, também considera 1478 como a mais
provável. Ver: BUSTO DUTHURBURU, José Antonio del. Pizarro. Lima: Ed. Cope,
2001, 2.v.
[v] Como era conhecido o
continente na época.
[vi] Nome em quéchua do
território dominado pelos Incas. Tahua
significa quatro em quéchua e suyu
região; ntin simboliza união;
poderíamos então traduzir Tahuantinsuyu
como as Quatro Regiões Unidas.
[vii] Capitulacion entre el
gobernador de Panama, el P. Hernando de Luque, Francisco Pizarro y Diego de
Almagro, Panamá, 20 de mayo de 1524. AGI. Justicia, 1042. Nº2, Rº1. Documento
publicado em: LOHMANN VILLENA, Op. cit.,1986, p.22.
[viii] LAVALLÉ, Bernard.
Francisco Pizarro. Biografía de una conquista. Lima: IFEA/EF/IRA/IEP, 2005.
p.80.
[ix] ARMAS MEDINA, Fernando
de. Pizarro. Madrid: Publicaciones Españolas, 1954, p.22.
[x] GUILLEN GUILLEN, Edmundo.
El testimonio Inca de la conquista del Peru. Boletín del Instituto Francés de
Estúdios Andinos, VII, nº3-4, p.39. Cópia do documento original encontra-se no
AGI, Escribanía de Cámera, Leg. 496A.
[xi] MENDIBURU, Manuel de.
Diccionario Historico Biografico del Peru. Lima: Libreria e Imprenta Gil, 1934,
Tomo IX, p.81
[xii] KUBLER,
George. The quechua in the
colonial world. In: STEWARD, H. Julian. Handbook of South American Indians. New York : Cooper Square
Publishers INC, 1963, p.343.
[xiii] PORRAS
BARRENECHEA, Raúl. Los cronistas del Peru. Lima: Banco de Credito del Peru,
1986, p.11.
[xiv] Idem, 1986, p.7-8.
[xv] Hernando Pizarro foi um
dos primeiros a utilizar o testemunho contido nos quipus, quando em 1533 descreveu a forma como um camponês registrou
por meio de nós em cordas a quantidade de bens levados pelos espanhóis. PIZARRO,
Hernando. “A los Señores Oydores de la Audiendia Real de Su Magestad”.
In: URTEAGA, Horacio H. (Ed.). Informaciones sobre el antiguo Perú. Colección
de libros y documentos referentes a la historia del Peru. Lima: Imprenta y
Librería Sanmartí, 1920, p.175.
[xvi] CHIRINOS RIVERA, Andrés.
Quipus del Tahuantinsuyu. Curacas, Incas y su saber matemático em el siglo XVI.
Lima: Editorial Commentarios, 2010, p.12.
[xvii] SARMIENTO DE GAMBOA,
Pedro. Segunda parte de la historia general
llamada Indica... In: PIETSCHMANN, Richard (Ed.). Geschichte des Inkareiches von Pedro
Sarmiento de Gamboa. Abhandlungen der Königlichen Gesellschaft der
Wissenschaften zu Göttingen, Philologisch-Historische Klasse, Neue Folge, vol.
6, no. 4. Weidmannsche Buchhandlung. Berlin, 1906 [1572].
[xviii] Ver
também CARILLO ESPEJO,
Francisco. Cartas
y cronistas del descubrimiento y la conquista. Lima:
Editorial Horizonte, 1987; LOCKHART,
James. Op. cit., 1986,
v.1 e 2; PORTUGAL, Ana Raquel. Mitos e fatos nas crônicas da conquista do
Antigo Peru. História Unisinos. Vol. 14 Nº 2 - maio/agosto de 2010.
[xix] No caso de Francisco
Pizarro, o cronista Gonzalo Fernández de Oviedo coloca que ele é um “...hombre
sin ninguna letra ni industria para gobernar”. In: Historia General y Natural
de las Indias, islas y tierra-firme del mar océano. Madrid: Imprenta de la Real Academia de la Historia ,1855, Tomo IV, p.144. Essa
informação é corroborada por Raúl Porras-Barrenechea: “El cronista Oviedo,
vecino de Pizarro y apasionado y rencoroso enemigo...” In: Pizarro. Lima:
Editorial Pizarro, 1978, p.616.
[xx] PORRAS BARRENECHEA, Raúl.
Cartas del Perú. (1524-1543). Lima: Edición de la Sociedad de los
Bibliófilos Peruanos, 1959.
[xxi] Heidi V. Scott em Más allá del texto: recuperando las
influencias indígenas en las experiencias españolas del Peru faz um estudo
sobre as narrativas produzidas antes e após a conquista do Tahuantinsuyu e
mostra que a natureza foi o primeiro obstáculo encontrado por esses homens e
logo depois seus discursos estavam repletos de histórias de conquistas rápidas,
mas o obstáculo humano se tornou o centro dessas descrições. In: DRINOT, Paulo,
GAROFALO, Leo (Eds.). Más allá de la dominación y la resistência. Estúdios de
historia peruana, siglos XVI-XX. Lima: IEP. 2005.
[xxii] PEASE, Franklin. Las
crónicas y los Andes. Lima: FCE, 2010, p.71.
[xxiii] MENA, Cristobal. La conquista del Perú llamada la Nueva Castilla.
In: SALAS, Alberto M. Cronicas
iniciales de la conquista del Peru. Buenos Aires: Editorial Plus Ultra,
1987. [1534].
[xxiv] XEREZ, Francisco. Verdadera relación de la conquista del Perú. Edição de
Maria Concepción Bravo Guerrera. Madrid:
História 16, 1985. [1534].
[xxv] In: AROCENA, Luis A. La
relación de Pero Sancho. Buenos Aires: Plus Ultra, 1987.
[xxvi] MENA, Op. cit., 1987. [1534], p.84.
[xxvii] PORRAS BARRENECHEA, Op.
cit., 1978, p.615.
[xxviii] LÓPEZ DE GÓMARA,
Francisco. Historia General de las Indias. Madrid: Espasa Calpe, 1922.
[xxix] HERRERA Y TORDESILLAS,
Antonio de. Historia general de los hechos de los castellanos en las islas y
tierra firme del Mar Oceano. Asunción: Editorial Guarania, 1945.
[xxx] PIZARRO Y ORELLANA,
Fernando. Varones ilustres del Nuevo
Mundo: descubridores, conquistadores, y pacificadores del opulento, dilatado, y
poderoso Imperio de las Indias Occidentales; sus Vidas, Virtud, Valor, Hazañas,
y Claros Blasones; Con un discurso legal de la
Obligacion que tienen los Reyes a premiar los servicios de
sus Vassallos ; 6 en ellos, 6 en sus descendientes. Madrid: Diego Diaz de la Carrera , 1639.
Obligacion
[xxxi] QUINTANA, Manuel José.
Vida de Francisco Pizarro. Madrid :
Espasa-Calpe, 1959 [1830].
[xxxii] PRESCOTT ,
Willian. History of the conquest of Peru ,
London :
Routledge, 1862.
[xxxiii] LORENTE, Sebastián.
Historia de la conquista del Peru. Lima: [Impr. Arbieu], 1861, p.107.
[xxxiv] MENDIBURU, Manuel de.
Diccionario Histórico-Biográfico del Perú. Lima: Imprenta “Enrique Palacios”,
1931, Tomo I, p.1 e 3.
[xxxv] CUNEO-VIDAL, Rómulo.
Obras completas. 2.ed. Lima: Gráfica Morsom, 1978, Tomo 2, Vol. III: Vida del
conquistador del Peru Don Francisco Pizarro.
[xxxvi] PORRAS BARRENECHEA, Op.
cit., 1978.
[xxxvii] LOHMANN VILLENA,
Guillermo. Francisco Pizarro: Testimonio; documentos oficiales, cartas e
escritos vários. Madrid: CSIC, 1986.
[xxxviii] BUSTO DUTHURBURU, Op.
Cit., 2001.
[xxxix] ROSTWOROWSKI DE DIEZ
CANSECO, María. Doña Francisca Pizarro, uma ilustre mestiza, 1534-1598. Lima:
IEP, 1989.
[xl] LOCKHART,
Op. cit., 1986, v.1.
[xli] WACHTEL, Nathan. Los vencidos; los indios del Peru frente a la conquista española
(1530-1570). Madrid: Alianza Editorial, 1976.
[xlii] PEASE, Franklin. Los
últimos incas del Cuzco. Lima: Ediciones P. L. Villanueva, 1972.
[xliii] ESPINOZA SORIANO,
Waldemar. Los huancas aliados de la conquista. Tres informaciones inéditas
sobre la participación indígena en la conquista del Peru. Anales Científicos de
la Universidad
del Centro del Peru, 1: 9-407, Huancayo, 1971-1972. Posteriormente, publicou
sobre o mesmo tema: La destrucción del Império de los Incas. La rivalidad
política y señorial de los curacazgos andinos. 3.ed. Lima: Amaru, 1981.
[xliv] GUILLÉN GUILLÉN, Edmundo.
Versión inca de la conquista. Lima: Milla Batres, 1974.
[xlv] VEGA, Juan José. Los
incas frente a España. Las guerras de la resistência, 1531-1544. Lima: Peisa,
1992.
[xlvi] Idem, p.15-18.
[xlvii] Idem, p.254.
[xlviii] Vários são os estudos
sobre mestiçagem na América, mas destacamos Nathan Wachtel, Carmen Bernand e
Serge Gruzinski como autores que contribuíram com vários estudos a respeito.
[xlix] Ver GUTIÉRREZ VIÑUALES,
Rodrigo. Monumento conmemorativo y espacio público en Iberoamérica. Madrid:
Ediciones Cátedra, 2004.
[l] VARÓN GABAI, Rafael. La
estatua de Francisco Pizarro en Lima. Historia e identidad nacional. Revista de
Índias, 2006, vol.LXVI, nº236, 217-236.
[li] ARMAS MEDINA, Fernando
de. Op. cit.,1954, p.29.
[lii] LORENTE, Sebastián. Op.
cit., 1861, p.497 e 498.
[liii] BUSTO DUTHURBURU, Op.
cit., 2001, p.454-455.
OBS: Apresento aqui minha parte do artigo escrito com o Prof. Marcus Vinícius de Morais, mexicanista e que realizou a biografia de Hernán Cortez. O artigo na íntegra é:
Ana Raquel Portugal & Marcus Vinícius de Morais. Hernán Cortés e Francisco Pizarro: História e Memórias TEMAS & MATIZES - Vol. 9 - Nº 18, pp.85-110. ISSN: 1981-4682 (versão eletrônica).
Muito interessante mesmo. Eu aprecio a História da América, o que me desmotiva, de certo modo, é não encontrar essas crônicas em português, sendo que eu ainda não leio em espanhol.
ResponderExcluirParabéns, um belo artigo.
Muito obrigado!!!!
ExcluirBoa tarde, muito bom artigo, só falta dizer que Francisco Pizarro era filho ilegitimo, como tal, não tinha direito à herança paterna, estando "deserdado", não lhe restava outra alterantiva a não ser a procura da fortuna alem mar.
ResponderExcluirPedro Manuel M. Pizarro Bravo
pedrojuve@gmail.com
É isso mesmo, Pedro...e ele conseguiu isso tornando-se um dos maiores encomendeiros do Peru colonial. Abraços
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