sábado, 5 de maio de 2012

FRANCISO PIZARRO, O ILETRADO QUE CONQUISTOU O PERU




FRANCISCO PIZARRO

“El aventurero analfabeto, que por azares de la Fortuna se vio encumbrado a asumir la responsabilidad de gobernante, no tuvo más recurso que valerse de escribientes”[i].

Por essas palavras de Guillermo Lohmann Villena percebemos a dificuldade de analisar a vida de Francisco Pizarro, cujos relatos biográficos[ii] foram redigidos por familiares, soldados[iii], companheiros de aventuras, mas nunca por ele como no caso de Hernán Cortez. Mesmo assim, ele foi bastante cuidadoso em suas escolhas e confiou apenas aos mais próximos a redação das histórias de que foi protagonista e da documentação oficial.
Nascido em Trujillo de Extremadura – Espanha – em 1478[iv], Francisco Pizarro teve uma infância humilde, o que o levou a tentar a sorte na América em 1502 na expedição do frei Nicolás de Ovando, o novo governador de La Española. Participou de diversas viagens à Tierra Firme[v] e foi companheiro de Vasco Núñez de Balboa na jornada que terminaria no descobrimento do Mar del Sur em 1513, onde teve as primeiras notícias sobre o Tahuantinsuyu[vi]. Pizarro tinha uns 50 anos e era um dos homens mais ricos do Panamá quando se associou a Diego de Almagro e ao clérigo Hernando de Luque[vii] para fazer três viagens em busca do Levante, ou seja, os territórios que ficavam ao sul do Panamá. A primeira foi feita em 1524, mas diante de várias dificuldades só conseguiram chegar ao norte da Colômbia e regressaram às proximidades do Panamá. Na segunda viagem em 1526, conseguiram confirmar a existência do domínio Inca, porém passaram por graves problemas, fome, doenças, ataques de tribos indígenas e dos 300 homens que haviam saído do Panamá, grande parte tinha perecido, o que levou a um episódio famoso na história da conquista. Estando na Ilha do Gallo com seus homens, Pizarro perguntou quem o acompanharia para o sul, lugar da riqueza, e treze homens se apresentaram e ficaram assim conhecidos como os “Trece de la Fama”. A terceira viagem iniciou-se em 1531 com mais de 180 homens, uns 30 cavalos e três navios. A presença dos cavalos denota, segundo Lavallé, que o objetivo da expedição já não era apenas explorar o Peru, mas conquistá-lo militarmente, tanto que a artilharia também havia sido reforçada[viii]. Após terem fundado a primeira cidade espanhola no Peru, San Miguel de Tangarará, prosseguiram para Cajamarca chegando lá em 15 de novembro de 1532. O Inca Atahualpa encontrava-se em um acampamento nos arredores de Cajamarca e por isso, Pizarro enviou Hernando de Soto acompanhado de 24 homens e achando ser mais prudente aumentar o contingente, enviou também a seu irmão, Hernando, com mais homens. O plano de Pizarro era repetir a estratégia aplicada por Hernán Cortez e capturar o chefe do Tahuantinsuyu, o que aconteceu no dia seguinte, visto que Atahualpa foi convidado pelos espanhóis a voltar a Cajamarca e aproveitando-se dos limites da praça principal da cidade, Pizarro o aprisionou.
Atahualpa em sua prisão viveu uma espécie de liberdade vigiada, pois com ele ficaram suas mulheres, servidores e os espanhóis proporcionavam-lhe diversão para que não se entristecesse. Um dia, resolveu oferecer a Pizarro grande quantidade de ouro por sua liberdade[ix]. Segundo o testemunho de Diego Cayo Inga, Atahualpa ao perceber que não o soltariam mesmo depois de o resgate ser pago, ofereceu ao rei seis milhões de pesos para que fosse exilado na Espanha. Pizarro não atendeu seu pedido e o sentenciou à morte para que ninguém soubesse a quantidade de ouro e prata que lhes entregara para recobrar sua liberdade[x]. Queimaram os cabelos do Inca e logo o amarraram a um poste e o garrotearam. O corpo ficou exposto até o dia seguinte e quando a notícia se espalhou vários servidores e mulheres se suicidaram. Manuel de Mendiburu conta que o funeral foi celebrado com a  participação de Pizarro e seus oficiais, todos com sinais de luto e muito pesar, grande farsa praticada pelos conquistadores sempre que tiravam a vida a um inimigo[xi].
Com a morte do Inca, os espanhóis partem para conquistar Cuzco, capital do Tahuantinsuyu. Nesse momento, os espanhóis passaram a contar com três assentamentos, San Miguel de Tangarará, Cajamarca e Cuzco, criando-se a necessidade de fundação de um local central. Pizarro fundou com essa finalidade a cidade de  Jauja em 1534, situada no vale do rio Mantaro, exatamente um lugar eqüidistante entre Cajamarca e Cuzco e que além disso, estava localizado em lugar fértil e próspero. Jauja foi assim a primeira capital dos espanhóis e também o local em que eles realmente se estabeleceram. Depois disso, em função do descontentamento de alguns espanhóis que tinham índios encomendados na costa e precisavam estar perto de seus tributários, Pizarro fundou a Ciudad de los Reyes, hoje Lima, em 18 de janeiro de 1535. Essa passou a ser capital portuária dos espanhóis por estar localizada na zona costeira e facilitar o trânsito até o Istmo e ao oceano Atlântico.
Em pouco tempo, Francisco Pizarro e Diego de Almagro já haviam conquistado e submetido os índios, ocupando os locais mais importantes. A luta pelo poder se instalou entre os dois conquistadores e Almagro acabou executado. Três anos depois, em 26 de junho de 1541, Pizarro foi morto por almagristas e enterrado numa Igreja chamada Los Naranjos e mais tarde, seu corpo foi transladado à Catedral da Ciudad de los Reyes (Lima).
Nos quarenta anos que se seguiram à conquista, o mundo indígena sofreu com as guerras e Manco Capac II, meio-irmão de Atahualpa, rebelou-se e estabeleceu a sede do novo Estado em Vilcabamba, de onde partiram os ataques contra os espanhóis[xii]. Porém, os espanhóis continuaram dominando e depois de fazerem desaparecer a redistribuição estatal, prolongaram as antigas formas de tributo, exigindo dos índios não só trabalho, mas também produtos. O século XVI teve grande significado para a população indígena, pois seu mundo social, político e religioso foi profundamente transformado.

CRÔNICAS E HISTORIOGRAFIA DA CONQUISTA DOS ANDES

"La crónica implica una cercanía en el lugar y en el tiempo. Los cronistas viven en el espíritu de los acontecimientos que describen y pertenecen a él" [xiii].

Raúl Porras Barrenechea analisou grande parte das crônicas que trataram da história do Peru. Segundo seus estudos, as crônicas da conquista foram a primeira história peruana. A crônica castelhana, ao transplantar-se à América, trazia consigo uma essência própria e uma larga tradição. No primeiro momento, relataram as aventuras espanholas e depois passaram a tratar da história dos povos por eles conquistados, baseando-se na tradição oral e em sistemas de memória[xiv], como é o caso dos documentos feitos a partir das informações coletadas junto aos quipucamayocs, especialistas na decodificação dos quipus[xv].

“[...] los quipus fueron instrumentos contables complejos (registros de bienes, servicios, personas; sumas, restas, multiplicaciones, divisiones, medias aritméticas, cálculo de proporciones; clasificaciones de múltiples niveles)”[xvi].
Há pesquisadores que afirmam existir quipus narrativos, onde histórias dos Incas e inclusive pré-incaicas aparecem registradas. Richard Pietschmann, peruanista alemão, analisou a crônica de Sarmiento de Gamboa e chegou à conclusão que este utilizou informações contidas em quipus históricos incas em comunhão com a memória oral[xvii].
Foram muitos os cronistas que trataram da conquista do Peru e descreveram a aventura de Pizarro e seus homens por terras andinas baseando-se em suas próprias experiências, por vezes, registradas nos acampamentos, e nas fontes acima mencionadas. Entre os relatos mais conhecidos, podemos destacar os testemunhos de Francisco de Xerez, Hernando Pizarro, Cristóbal de Mena, Juan Ruiz de Arce, Pedro Sancho de Hoz, Diego de Trujillo, Miguel de Estete, Pedro Pizarro e também as crônicas de Cieza de Leon, Agustín de Zárate e Garcilaso de la Vega, que abordam o mundo pré-hispânico e o período colonial inicial[xviii]. Gonzalo Fernández de Oviedo em sua Historia general y natural de las Índias preparou uma síntese sobre a ação dos espanhóis na América, baseado em documentos e testemunhos orais, sendo que no caso dos Pizarro, sabe-se que nutria verdadeira aversão a eles[xix]. Elogios e críticas apareciam nessas obras, sendo que o principal objetivo era comunicar aos reis de Espanha os feitos desses homens desejosos de fazer jus às benesses da coroa espanhola.
Algumas cartas da época também fornecem dados importantes sobre as conquistas desses homens e diferentemente de outros documentos, estas permitem perceber sentimentos, medos, a luta diária pela sobrevivência, visto que muitas vezes a busca por comida substituía em importância a cobiça por ouro[xx]. Foram muitas as agruras sofridas por esses homens, que enfrentaram intempéries climáticas, cansaço extremo e ataques de grupos indígenas hostis e apesar do êxito militar que alcançaram em relação aos Incas, não predominaram sonhos de conquista e riquezas nas “relaciones” espanholas dos acontecimentos prévios a essa conquista, e sim, discursos de sofrimento corporal[xxi]. Só após a conquista os relatos retomam a vivacidade de um discurso providencialista herdado do imaginário medieval.
Hernando Pizarro escreveu um dos primeiros relatos da conquista em si, mas como se sabe, a carta que redigiu em 1533 foi copiada por Gonzalo Fernández de Oviedo e sendo a única cópia que se conservou, não se pode atestar sua fidelidade[xxii]. As duas primeiras “relaciones” publicadas  em Sevilha sobre os feitos de Pizarro e seus homens na região andina foram as de Cristóbal de Mena e Francisco de Xerez em 1534. O primeiro, autor de La conquista del Peru llamada la Nueva Castilla[xxiii], responsabilizou Pizarro pela execução de Atahualpa e acusou os espanhóis de cometerem várias atrocidades, pois saiu insatisfeito de Cajamarca por se sentir lesado na divisão dos tesouros saqueados. Já Francisco de Xerez, secretário de Pizarro, na Verdadera relación de la conquista del Peru[xxiv] descreveu minuciosamente a expedição empreendida e enalteceu os feitos de Pizarro e seus familiares. Por representar a versão oficial dos fatos ateve-se a descrevê-los conforme a solicitação de seu comandante e essa “relación” é uma das mais editadas até hoje. Pizarro contou com outros secretários, como Pedro Sancho de Hoz, Antonio Picado, Pero López de Cazalla e Cristóbal García de Segura. Pedro Sancho foi quem substituiu Xerez e deu continuidade à “relación” que este escrevia, sendo que agora denominada Relación para S.M. de lo sucedido en la conquista y pacificación de estas províncias de la Nueva Castilla[xxv]. Nela relatou as atividades dos espanhóis desde que saíram de Cajamarca até seu estabelecimento em Cuzco, sendo mais uma versão oficial dos fatos.
Esses primeiros relatos da conquista feitos na época ou posteriormente mostram um Pizarro altivo, corajoso, de vontade inquebrantável, a que nada deteve. Era homem de poucas palavras, mas convicto de seus objetivos e não retrocedeu ao ter que matar e mandar matar para alcançar o reconhecimento da coroa espanhola e riqueza. Apaixonado pela guerra, era o primeiro a empunhar armas. Seus homens o temiam mais do que o admiravam, mas o consideravam um bom capitão, corajoso e disposto a levá-los à vitória ou a morrer com eles[xxvi].
Para Barrenechea, a biografia de Pizarro tem sido deformada e precisa ser revisada usando-se o testemunho dos cronistas do século XVI, sendo que o mais aconselhável seria usar as crônicas dos soldados que o acompanharam

“[...]escritas unas a raíz de los sucesos, y otras, años más tarde, rememorando las hazañas de su juventud. En unas predomina la pasión, en otras, la nostalgia”[xxvii].
Os soldados que acompanharam Pizarro, como tratado acima, em sua grande maioria, produziram “relaciones” que elogiavam os feitos de seu comandante e deles próprios. Nessa mesma época, outros cronistas não tiveram a mesma opinião a respeito de Francisco Pizarro. Além de Oviedo, como já citado, Francisco López de Gómara em sua Historia General de las Índias[xxviii] de 1552 criou a lenda de que Pizarro teria sido amamentado por uma porca e mais tarde teria criado esses animais na Espanha, depreciando sua imagem para enaltecer a de Cortez a quem admirava sobremaneira. Las Casas também não se mostrou favorável a Pizarro, embora nunca tenha estado em terras peruanas. Na obra Historia general de los hechos de los castellanos en las islas y tierra firme del Mar Oceano (1601), mais conhecida como Décadas, Antonio de Herrera y Tordesillas[xxix], proporciona inúmeras informações sobre Pizarro, mas também expressou algumas opiniões desfavoráveis ao conquistador.
Para contrapor as visões negativas sobre Francisco Pizarro, apareceu no século XVII na Espanha uma tendência apologética de defesa e enaltecimento de sua figura iniciada por Fernando Pizarro y Orellana na obra Varones ilustres del Nuevo Mundo de 1639[xxx]. Posteriormente, o poeta Manuel José Quintana escreveu Vida de Francisco Pizarro em 1830, considerada a primeira biografia completa do conquistador, baseado nas principais crônicas conhecidas naquele período e diversos outros documentos, tecendo elogios mais cautelosos e por vezes, reconhecendo dados desfavoráveis a Pizarro[xxxi].
No século XIX, Willian Prescott trabalhou as conquistas espanholas do México e Peru[xxxii] de forma épica e no caso de Francisco Pizarro, lhe conferiu características de perfídia e avareza. Sebastián Lorente esboçou um olhar bem diferente sobre a conquista, mostrando que a mesma tratou-se de uma invasão e que as populações locais rapidamente se deram conta de que os espanhóis eram inimigos e não deuses como cogitaram no princípio[xxxiii]. Na mesma linha, Manuel de Mendiburu alertou para o fato de que os espanhóis vieram à América para “invadir y conquistar naciones inocentes y felices” e:
“[...] consumada la usurpación del territorio americano se establecieron extensas colonias a muy largas distancias de su metrópoli; la tributaron tesoros asombrosos, absorvidos luego en las guerras memorables del siglo XVI”[xxxiv].
No século XX, o tema voltou a suscitar interesse e surgiram muitas obras em que seus autores concentraram-se em esboçar genealogias e biografias. Entre alguns desses, podemos destacar Rómulo Cuneo-Vidal, que elaborou extensa biografia de Pizarro e também descreveu a conquista e o período colonial peruano baseado em documentação inédita e analisando a participação indígena de um modo inovador, não mais como meros espectadores nas guerras de conquista, mas como participantes ativos[xxxv]. A obra de Raúl Porras Barrenechea sobre Francisco Pizarro é uma das mais importantes e completas, devido à quantidade de documentos consultados, por vezes, documentos inéditos, e também às análises tecidas[xxxvi]. Guillermo Lohmann Villena contribuiu com a organização da documentação oficial produzida a mando da Francisco Pizarro, correspondente ao período de 1519 a 1541. Cartas, disposições governativas, atas, contratos, documentos pessoais, testamentos, e tantos outros documentos significativos para ajudar a compor a biografia do conquistador[xxxvii].
José Antonio del Busto Duthurburu também realizou extensa obra sobre a biografia de Pizarro e os homens que o acompanharam e entre elas, destacamos Francisco Pizarro, dois volumes embasados em documentação coletada em arquivos de diversos países[xxxviii]. Outra importante contribuição é a biografia da filha de Pizarro, Francisca, feita por María Rostworowski. Nesta pesquisa aparecem dados documentais sobre a colaboração que algumas tribos do Tahuantinsuyu prestaram aos espanhóis para derrotar os Incas, bem como, análises sobre os mecanismos da mestiçagem inicial. Pizarro teve filhos com duas princesas incas, mas não se casou com elas e posteriormente levou seus filhos para serem educados por espanhóis, na cultura que ele considerava superior[xxxix].
James Lockhart em seu livro Los de Cajamarca tratou da conquista do Tahuantinsuyo e também da história dos homens que participaram do episódio mais conhecido da história andina, o aprisionamento do chefe Inca, Atahualpa[xl]. É uma análise dos momentos anteriores à conquista e também das características pessoais de cada membro dessa hoste, como o lugar de onde vieram, camada social, grau de instrução e outras informações provenientes de vasta documentação por ele consultada.
Estudos etnohistóricos têm sido produzidos por diversos autores, como Nathan Wachtel[xli], Franklin Pease[xlii], Waldemar Espinoza[xliii], Edmundo Guillén[xliv], Juan José Vega[xlv] e a já citada Maria Rostworowski, entre outros. Esses estudos se caracterizam por procurar entender a participação do indígena no processo de conquista e ao longo do período colonial, sendo uma contribuição importante para compreender a relação entre espanhóis e a população nativa desde os primeiros anos de presença européia no Peru. Juan José Vega afirma que a conquista demorou 13 anos, sendo que a primeira fase foi a conquista de Cajamarca e o aprisionamento de Atahualpa e a segunda a luta contra Manco Inca, que chefiou a elite cuzquenha contra a dominação espanhola de 1536 a 1544. Utiliza as crônicas para mostrar que a resistência indígena foi grande nesse período e que os espanhóis tiveram a sorte de encontrar o Tahuantinsuyu dividido em uma guerra civil entre Atahualpa e Huascar, os dois irmãos que disputavam o comando desse território. Mesmo depois do aprisionamento e morte do Inca Atahualpa, os incas continuaram resistindo e só em 1544 se pode considerar concluída a conquista espanhola[xlvi]. No que diz respeito a Pizarro, ele considera que seu enaltecimento como grande conquistador e fundador de cidades se deve a um mal entendido hispanismo, que impera na historiografia peruana, visto que quem realmente participou de 15 batalhas, fundou mais cidades, recorreu largos trechos do território peruano foi Diego de Almagro, que as versões oficiais apresentadas por Francisco Pizarro a Carlos V trataram de ocultar, como no caso das crônicas de seus secretários Xerez e Sancho[xlvii].
Dentre os estudos mais recentes, especificamente sobre Francisco Pizarro, sua parentela, a conquista e o período inicial da colonização destacamos o trabalho de Rafael Varón Gabai, La ilusión del poder, no qual este se preocupou em ir além dos aspectos religiosos, militares, políticos e culturais, procurando entender a motivação empresarial dos conquistadores. Mostrou ainda que o poder de Pizarro era fraco devido à divisão existente entre os próprios conquistadores e também à oposição por parte da Coroa em relação a alguns planos pizarristas. Heidi Scott em Más allá del texto: recuperando las influencias indígenas en las experiências del Peru, como o próprio título indica, pesquisou a influência nativa sobre a maneira como os espanhóis perceberam e representaram os territórios americanos durante a conquista. Por último, a biografia publicada por Bernand Lavallé que traz informações sobre toda a trajetória de Francisco Pizarro e seus irmãos e mais do que isso, contribui para compreender as relações entre a Coroa espanhola e os conquistadores.


Francisco Pizarro - Parque de la Muralla - Lima - Peru


A RETÓRICA DA MESTIÇAGEM                            
A história dos conquistadores da América suscita até hoje diversos embates retóricos, visto que provocam reações de orgulho e ressentimento. A partir do começo do século XX, houve uma mudança no discurso devido à necessidade de identificação de nações mestiças[xlviii] e por isso, foram feitas estátuas de alguns desses conquistadores, mesmo que em alguns casos, tais obras tenham sido repudiadas. No México, realmente não existe estátua e nenhum tipo de homenagem a Hernán Cortez, mas em outros países foram erigidos monumentos a alguns conquistadores, como por exemplo, na Colômbia, Equador, Paraguai e também no Chile[xlix]. No caso peruano, não foi diferente. Rafael Varón nos mostra isso em seu artigo sobre a estátua eqüestre de Pizarro, que desde que foi confeccionada e exposta em diferentes lugares da cidade de Lima, gerou lendas, revolta, discussões variadas, que fizeram com que a estátua passasse por diversos locais, encontrando-se hoje no Parque de la Muralla em lugar não tão suntuoso quanto outros personagens históricos que podem ser encontrados nas praças de Lima. Mesmo assim, a adoção por parte de algumas nações dos ícones da conquista se deu em função da necessidade de corroborar a idéia de mestiçagem. Sendo nações mestiças, era necessário o reconhecimento dos conquistadores como parte de suas raízes e com a estátua de Pizarro não foi diferente[l]. Como disse Armas Medina:

“[...] la sangre de don Francisco Pizarro termina dando sus frutos: el nacimiento de una nueva nacionalidad, dentro del mundo hispanoamericano, caracterizado por una misma cultura, una misma lengua y una misma fé [...]”[li]

Sebastián Lorente também finaliza sua obra com um discurso enaltecedor sobre a mescla de povos rivais, estes que “solo estaban yuxtapuestos, adquieren la cohesion que con la unidad nacional va á darles estabilidad y médios de adelantos”. Para ele, nasce assim a geração “Hispano-Peruana”[lii].
A luta entre o Indigenismo e o Hispanismo, conforme José Antonio del Busto Duthurburu, não foi em vão. Graças a essa polaridade ideológica hoje existe o Peruanismo, uma corrente equilibrada e produto do passado, que confere a Pizarro uma imagem histórica de reconhecimento pelo que fez e principalmente, mostra que foi depois de sua chegada que começou a mestiçagem racial e cultural dos peruanos[liii].
Esses discursos propiciaram a retomada de estudos sobre Francisco Pizarro e seus homens, procurando entendê-los à luz de seu tempo e usando de documentação diversificada encontrada em arquivos de diferentes países. Pizarro foi tirado do ostracismo pela necessidade de entender o Peru de hoje, uma nação mestiça que se orgulha de suas raízes.


[i] LOHMANN VILLENA, Guillermo. Francisco Pizarro. Testimonio. Documentos oficiales, cartas y escritos vários. Madrid: CSIC, 1986, p.XVIII.
[ii] Neste artigo não temos a pretensão de fazer propriamente uma biografia de Francisco Pizarro, e sim, uma sintética apresentação de alguns dados sobre sua vida e principalmente, sobre sua participação na conquista do território que hoje conhecemos por Peru. Faremos um breve ensaio historiográfico sobre as diversas representações a ele atribuídas desde o século XVI. Para realizarmos uma biografia teríamos que avançar bem mais, pois conforme Teresa Malatian, para tal tarefa seria necessário “do pesquisador  um  cuidado que  de  resto  não  se distancia  daquele  que  é  devido  a  qualquer  outro  tipo  de  discurso  histórico,  e que  caracteriza  a disciplina histórica:  a compreensão,  a  aproximação  do  personagem  até  a  impregnação  como  ponto de saturação, ideal para que se possa escrever sobre ele, o trabalho crítico sobre testemunhos diferentes e contraditórios, para  que  se  amplie  o  enfoque  analítico e se possam alcançar tanto aspectos desconhecidos de sua vida como ultrapassar sua opacidade para seus contemporâneos e mais próximos”. In: A biografia e a história. Cadernos CEDEM. Ano 1, n.1, jan. 2008, p.25.
[iii] Cabe lembrar aqui o estudo de James Lockhart, que alerta para o fato de serem poucos os conquistadores que podemos chamar de “soldados” nesse período, visto que apenas alguns tiveram experiências que podem ser equiparadas a atividades militares. In: Los de Cajamarca: un estudio social y biográfico de los primeros conquistadores del Perú. Lima: Milla Batres, 1986, v. 1, p. 35.
[iv] A respeito da data de nascimento de Francisco Pizarro há dúvidas, mas um de seus principais biógrafos, José Antonio del Busto Duthurburu, também considera 1478 como a mais provável. Ver: BUSTO DUTHURBURU, José Antonio del. Pizarro. Lima: Ed. Cope, 2001, 2.v.
[v] Como era conhecido o continente na época.
[vi] Nome em quéchua do território dominado pelos Incas. Tahua significa quatro em quéchua e suyu região; ntin simboliza união; poderíamos então traduzir Tahuantinsuyu como as Quatro Regiões Unidas.
[vii] Capitulacion entre el gobernador de Panama, el P. Hernando de Luque, Francisco Pizarro y Diego de Almagro, Panamá, 20 de mayo de 1524. AGI. Justicia, 1042. Nº2, Rº1. Documento publicado em: LOHMANN VILLENA, Op. cit.,1986, p.22.
[viii] LAVALLÉ, Bernard. Francisco Pizarro. Biografía de una conquista. Lima: IFEA/EF/IRA/IEP, 2005. p.80.
[ix] ARMAS MEDINA, Fernando de. Pizarro. Madrid: Publicaciones Españolas, 1954, p.22.
[x] GUILLEN GUILLEN, Edmundo. El testimonio Inca de la conquista del Peru. Boletín del Instituto Francés de Estúdios Andinos, VII, nº3-4, p.39. Cópia do documento original encontra-se no AGI, Escribanía de Cámera, Leg. 496A. 
[xi] MENDIBURU, Manuel de. Diccionario Historico Biografico del Peru. Lima: Libreria e Imprenta Gil, 1934, Tomo IX, p.81
[xii] KUBLER, George. The quechua in the colonial world. In: STEWARD, H. Julian. Handbook of South American Indians. New York: Cooper Square Publishers INC, 1963, p.343.
[xiii] PORRAS BARRENECHEA, Raúl. Los cronistas del Peru. Lima: Banco de Credito del Peru, 1986, p.11.
[xiv] Idem, 1986, p.7-8.
[xv] Hernando Pizarro foi um dos primeiros a utilizar o testemunho contido nos quipus, quando em 1533 descreveu a forma como um camponês registrou por meio de nós em cordas a quantidade de bens levados pelos espanhóis. PIZARRO, Hernando. “A los Señores Oydores de la Audiendia Real de Su Magestad”. In: URTEAGA, Horacio H. (Ed.). Informaciones sobre el antiguo Perú. Colección de libros y documentos referentes a la historia del Peru. Lima: Imprenta y Librería Sanmartí, 1920, p.175.
[xvi] CHIRINOS RIVERA, Andrés. Quipus del Tahuantinsuyu. Curacas, Incas y su saber matemático em el siglo XVI. Lima: Editorial Commentarios, 2010, p.12.
[xvii] SARMIENTO DE GAMBOA, Pedro. Segunda parte de la historia general llamada Indica... In: PIETSCHMANN, Richard (Ed.). Geschichte des Inkareiches von Pedro Sarmiento de Gamboa. Abhandlungen der Königlichen Gesellschaft der Wissenschaften zu Göttingen, Philologisch-Historische Klasse, Neue Folge, vol. 6, no. 4. Weidmannsche Buchhandlung. Berlin, 1906 [1572].
[xviii] Ver também CARILLO ESPEJO, Francisco. Cartas y cronistas del descubrimiento y la conquista. Lima: Editorial Horizonte, 1987; LOCKHART, James. Op. cit., 1986, v.1 e 2; PORTUGAL, Ana Raquel. Mitos e fatos nas crônicas da conquista do Antigo Peru. História Unisinos. Vol. 14 Nº 2 - maio/agosto de 2010.
[xix] No caso de Francisco Pizarro, o cronista Gonzalo Fernández de Oviedo coloca que ele é um “...hombre sin ninguna letra ni industria para gobernar”. In: Historia General y Natural de las Indias, islas y tierra-firme del mar océano. Madrid: Imprenta de la Real Academia de la Historia,1855, Tomo IV, p.144. Essa informação é corroborada por Raúl Porras-Barrenechea: “El cronista Oviedo, vecino de Pizarro y apasionado y rencoroso enemigo...” In: Pizarro. Lima: Editorial Pizarro, 1978, p.616.
[xx] PORRAS BARRENECHEA, Raúl. Cartas del Perú. (1524-1543). Lima: Edición de la Sociedad de los Bibliófilos Peruanos, 1959.
[xxi] Heidi V. Scott em Más allá del texto: recuperando las influencias indígenas en las experiencias españolas del Peru faz um estudo sobre as narrativas produzidas antes e após a conquista do Tahuantinsuyu e mostra que a natureza foi o primeiro obstáculo encontrado por esses homens e logo depois seus discursos estavam repletos de histórias de conquistas rápidas, mas o obstáculo humano se tornou o centro dessas descrições. In: DRINOT, Paulo, GAROFALO, Leo (Eds.). Más allá de la dominación y la resistência. Estúdios de historia peruana, siglos XVI-XX. Lima: IEP. 2005.
[xxii] PEASE, Franklin. Las crónicas y los Andes. Lima: FCE, 2010, p.71.
[xxiii] MENA, Cristobal. La conquista del Perú llamada la Nueva Castilla. In: SALAS, Alberto M. Cronicas iniciales de la conquista del Peru. Buenos Aires: Editorial Plus Ultra, 1987. [1534].
[xxiv] XEREZ, Francisco. Verdadera relación de la conquista del Perú. Edição de Maria Concepción Bravo Guerrera. Madrid: História 16, 1985. [1534].
[xxv] In: AROCENA, Luis A. La relación de Pero Sancho. Buenos Aires: Plus Ultra, 1987.
[xxvi] MENA, Op. cit., 1987. [1534], p.84.
[xxvii] PORRAS BARRENECHEA, Op. cit., 1978, p.615.
[xxviii] LÓPEZ DE GÓMARA, Francisco. Historia General de las Indias. Madrid: Espasa Calpe, 1922.
[xxix] HERRERA Y TORDESILLAS, Antonio de. Historia general de los hechos de los castellanos en las islas y tierra firme del Mar Oceano. Asunción: Editorial Guarania, 1945.
[xxx] PIZARRO Y ORELLANA, Fernando. Varones ilustres del Nuevo Mundo: descubridores, conquistadores, y pacificadores del opulento, dilatado, y poderoso Imperio de las Indias Occidentales; sus Vidas, Virtud, Valor, Hazañas, y Claros Blasones; Con un discurso legal de la
Obligacion
que tienen los Reyes a premiar los servicios de sus Vassallos ; 6 en ellos, 6 en sus descendientes.  Madrid: Diego Diaz de la Carrera, 1639.
[xxxi] QUINTANA, Manuel José. Vida de Francisco Pizarro. Madrid: Espasa-Calpe, 1959 [1830].
[xxxii] PRESCOTT, Willian. History of the conquest of Peru, London: Routledge, 1862.                               
[xxxiii] LORENTE, Sebastián. Historia de la conquista del Peru. Lima: [Impr. Arbieu], 1861, p.107.
[xxxiv] MENDIBURU, Manuel de. Diccionario Histórico-Biográfico del Perú. Lima: Imprenta “Enrique Palacios”, 1931, Tomo I, p.1 e 3.
[xxxv] CUNEO-VIDAL, Rómulo. Obras completas. 2.ed. Lima: Gráfica Morsom, 1978, Tomo 2, Vol. III: Vida del conquistador del Peru Don Francisco Pizarro.
[xxxvi] PORRAS BARRENECHEA, Op. cit., 1978.
[xxxvii] LOHMANN VILLENA, Guillermo. Francisco Pizarro: Testimonio; documentos oficiales, cartas e escritos vários. Madrid: CSIC, 1986.
[xxxviii] BUSTO DUTHURBURU, Op. Cit., 2001.
[xxxix] ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, María. Doña Francisca Pizarro, uma ilustre mestiza, 1534-1598. Lima: IEP, 1989.
[xl] LOCKHART, Op. cit., 1986, v.1.
[xli] WACHTEL, Nathan. Los vencidos; los indios del Peru frente a la conquista española (1530-1570). Madrid: Alianza Editorial, 1976.
[xlii] PEASE, Franklin. Los últimos incas del Cuzco. Lima: Ediciones P. L. Villanueva,  1972.
[xliii] ESPINOZA SORIANO, Waldemar. Los huancas aliados de la conquista. Tres informaciones inéditas sobre la participación indígena en la conquista del Peru. Anales Científicos de la Universidad del Centro del Peru, 1: 9-407, Huancayo, 1971-1972. Posteriormente, publicou sobre o mesmo tema: La destrucción del Império de los Incas. La rivalidad política y señorial de los curacazgos andinos. 3.ed. Lima: Amaru, 1981.
[xliv] GUILLÉN GUILLÉN, Edmundo. Versión inca de la conquista. Lima: Milla Batres, 1974.           
[xlv] VEGA, Juan José. Los incas frente a España. Las guerras de la resistência, 1531-1544. Lima: Peisa, 1992.
[xlvi] Idem, p.15-18.
[xlvii] Idem, p.254.
[xlviii] Vários são os estudos sobre mestiçagem na América, mas destacamos Nathan Wachtel, Carmen Bernand e Serge Gruzinski como autores que contribuíram com vários estudos a respeito.
[xlix] Ver GUTIÉRREZ VIÑUALES, Rodrigo. Monumento conmemorativo y espacio público en Iberoamérica. Madrid: Ediciones Cátedra, 2004.
[l] VARÓN GABAI, Rafael. La estatua de Francisco Pizarro en Lima. Historia e identidad nacional. Revista de Índias, 2006, vol.LXVI, nº236, 217-236.
[li] ARMAS MEDINA, Fernando de. Op. cit.,1954, p.29.
[lii] LORENTE, Sebastián. Op. cit., 1861, p.497 e 498.
[liii] BUSTO DUTHURBURU, Op. cit., 2001, p.454-455.

OBS: Apresento aqui minha parte do artigo escrito com o Prof. Marcus Vinícius de Morais, mexicanista e que realizou a biografia de Hernán Cortez. O artigo na íntegra é:
Ana Raquel Portugal & Marcus Vinícius de Morais. Hernán Cortés e Francisco Pizarro: História e Memórias  TEMAS & MATIZES - Vol. 9 - Nº 18, pp.85-110. ISSN: 1981-4682 (versão eletrônica). 

4 comentários:

  1. Muito interessante mesmo. Eu aprecio a História da América, o que me desmotiva, de certo modo, é não encontrar essas crônicas em português, sendo que eu ainda não leio em espanhol.

    Parabéns, um belo artigo.

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  2. Boa tarde, muito bom artigo, só falta dizer que Francisco Pizarro era filho ilegitimo, como tal, não tinha direito à herança paterna, estando "deserdado", não lhe restava outra alterantiva a não ser a procura da fortuna alem mar.

    Pedro Manuel M. Pizarro Bravo
    pedrojuve@gmail.com

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    1. É isso mesmo, Pedro...e ele conseguiu isso tornando-se um dos maiores encomendeiros do Peru colonial. Abraços

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