terça-feira, 26 de julho de 2011

A FESTA DOS MORTOS NO MÉXICO

Ainda me lembro quando anos atrás vi uma exposição no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, sobre a Festa dos Mortos no México. Fiquei espantada, pois não fazia ideia do quão diferente era. A princípio achei que fosse um pouco de exagero, mas não...realmente, é uma comemoração muito importante e que ocorre desde os tempos pré-hispânicos. Para os mexicanos a morte tem uma conotação bem diferente, eles não a temem, muito pelo contrário, a comemoram, porque acreditam que dela renasce a vida. Segundo Octavio Paz, o mexicano olha a morte cara a cara, com impaciência e ironia [1].
Desde 3.000 anos atrás diversos grupos meso-americanos realizavam rituais à morte por volta do mês de agosto e com a chegada dos espanhóis no século XVI, essa festa foi associada a crenças cristãs, como o Dia de Finados, e passou a ser comemorada de 31 de outubro a 2 de novembro. Nesses dias são feitos vários rituais e as ruas e o cemitério enchem-se de cores, as pessoas se fantasiam, fazem pães em forma de caveiras, enfeitam os túmulos com muitas flores e presentes para seus parentes, tornando essa festa um grande espetáculo e símbolo da identidade nacional. Tanto é, que em 7 de novembro de 2003 a UNESCO declarou essa festa Patrimônio da Humanidade.
Antigamente, a festa era comandada pela deusa Mictecacíhuatl ou Dama da Morte e atualmente ela é representada pela "Catrina", personagem criada por José Guadalupe Posada, famoso pintor e caricaturista mexicano, que aparece abaixo no mural de Diego Rivera ao lado da sua personagem e do próprio muralista representado como menino.




Sueño de una tarde dominical en la Alameda - Diego Rivera [2]


Toda essa comemoração tem o intuito de agradar os mortos, que virão visitar seus familiares e por isso, os túmulos são artisticamente enfeitados e em cada casa se constrói um altar com as fotos dos parentes a homenagear, flores, muita comida e velas, que guiarão o caminho desses espíritos. O dia 31 de outubro é dedicado às crianças defuntas e se colocam flores brancas sobre a mesa e se oferece pão, chocolate e outras iguarias apreciadas pelos pequenos. Na manhã do dia 01 de novembro ainda lhes é servido o café, pois em seguida eles regressarão ao lugar a que pertencem. Depois, a mesa é decorada com flores amarelas, que representam a chegada dos espíritos adultos. Também é ofertada considerável quantidade de comida, bebida (pulque e tequila) e, por vezes, cigarros, caso o parente fosse fumante. No dia 2 de novembro todos os espíritos vão embora para só retornar no próximo ano.


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Cabe lembrar ainda, que por considerarem a morte algo tão corriqueiro, na tal exposição que visitei, tinha também uma grande coleção de fotos post morten. Mesmo sabendo que foi um costume comum em diversas partes do mundo no século XIX, período em que a fotografia era cara e por isso, uma espécie de última homenagem ao familiar, assim mesmo, fiquei um tanto atordoada com aquelas imagens de crianças vestidas de anjinho sentadas em uma cadeira com os olhos abertos, ou seja, como se estivessem vivas. Ou então, dentro do caixão ou até mesmo no colo das mães. Havia fotos de adultos também e confesso que me pareceu tudo muito macabro. A exposição me fez repensar o conceito de morte e perceber que para muitos povos, inclusive os mexicanos...trata-se de algo bem menos inquietante.


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[1] PAZ, Octavio. O labirinto da solidão. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
[2] http://www.ecured.cu/images/2/21/Alameda.jpg
[3] http://3d02.galeon.com/
[4]http://inespiral.nireblog.com/post/2008/11/03/dos-de-noviembre-cempasuchil-catrina-y-copal
[5]http://riobobenseelcarpinterodelamontanaazul.blogspot.com/2010/03/se-perdio-un-angelito-en-mi-pueblo-en_03.html

5 comentários:

  1. Muito bacana e macabro...rs... Mas, inquietante na questão de como cultura é algo arraigado nas pessoas e como passa desapercebida no dia-a dia, é algo impressionante. Não percebemos, enquanto humanidade, que temos fortes tendências em preservar nossos rituais, mesmo que tudo mude. Todavia, dentro dessa mudança, o ritual, geralmente, toma outras formas gerando algo diferenciado, que já não é aquele ritual da origem e nem aquelas práticas que vieram à mudá-lo. É, simplesmente, uma nova forma de expressão, haja visto pelo Candomblé, que adota imagens da Virgem Maria para simbolizar Iemanjá (desculpa se escrevi algo errado). O texto sobre os mortos no México lembra muito essa questão, mas de forma bem mais complexa, pois mesmo com o catolicismo europeu, a festa continua, com diferentes conotações, haja visto pelo poder que a Igreja teve no México, mesmo perdendo o poder político pós independência. Sendo assim, a festa fora "adaptada" para que continuasse sem "desobedecer" o cristianismo, prática normal, inclusive, em várias culturas americanas (no sentido do continente americano como um todo), em que assimilavam aspectos cristãos para que os ritos não se perdessem.

    Cultura é demais!!!

    Muito legal, Ana!

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  2. Muito legal e macabro!rs

    É muito legal como a cultura ela se "adapta" para que o ritual permanceça em outros moldes, gerando outro ritual, que não é mais aquele da origem, mas também não é aquilo que o obrigou a mudá-lo. Por exemplo, a imagem de Iemanjá (desculpe se escrevi errado), que é cristã, mas para representar um deus pagão. Ela continua sendo pagã, mas a sua representação já mudou em relação a imagem original, ao mesmo tempo que se vê uma forma cristã, mas que também já não representa o cristianismo, então é o que?! Algo novo!!!
    É essa uma questão que percebi durante o texto. O que a cultura mexicana indígena assimilou do cristianismo pós-colonização e qual é a nova cultura que aparece pós-assimilação?!
    A História mostra que a mudança vem a demonstrar que os rituais adquirem novos significados, mesmo com todas as permanências que se pode encontrar neles...
    Eu amo a temporalidade! hehehe

    Parabéns pelo texto! Muito legal!!!

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  3. Obrigado, Ricardo...gostei muito das tuas colocações e fico feliz que o texto tenha inspirado tantas reflexões...teus comentários só acrescentam valor ao post...valeu mesmo!!!!

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  4. Ana Raquel Portugal, uma ótima professora. Nesse blog com imagem de fundo do oceano, parece que estamos a nadar em busca do conhecimento...

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  5. muito bom... aqui no brasil tbm ñ sabíamos dessas festas, da cultura mexicana. só há alguns dias uma amiga mexicana falou sobre isso, buscando na internet te achei. obrigada...

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