sábado, 30 de julho de 2011

UM "PILOTO ANÔNIMO" DESCOBRIU A AMÉRICA???

Muitas são as teorias sobre o descobrimento do Novo Mundo e sobre qual o verdadeiro mérito de Colombo nesse evento, visto que para os cronistas da época este não reunia méritos especiais nem fortuna para alcançar tão importante feito. Os erros de natureza geográfica apresentados por Colombo eram passíveis de recusa por parte dos especialistas que examinaram seu projeto de viagem, visto que ele apresentara um mapa-múndi onde a distância entre Europa e Ásia era demasiado curta (700 léguas). Esse tipo de leitura fez com que todos acreditassem no desconhecimento de Colombo para efetuar tal tarefa e depois que ele alcançou a América começaram a surgir algumas obras de cronistas que o defenderam, como por exemplo, Bartolomé de Las Casas. Ele afirmou que uma nau havia estado antes de Colombo nas Índias, a qual retornou à ilha da Madeira, porém todos os marinheiros morreram vitimados por doenças adquiridas ao longo da viagem. Somente um sobreviveu e antes de morrer, agradecido pela hospitalidade oferecida por Colombo que aí residia há algum tempo, contou-lhe como navegar até às Índias[1]. A esta célebre hipótese de um “piloto anônimo” deram credibilidade muitos cronistas, independentemente de serem a favor de Colombo ou não. Porém, Colombo acreditava que o novo continente encontrado tratava-se realmente da Ásia e morreu sem saber que havia encontrado um novo território. Para ele, a ilha La Española era na verdade Cipango, ou o Japão como o conhecemos hoje[2].


Columbus before the Queen - Peter Frederick Rothermel, 1841

Muitos cronistas espanhóis se irritaram com o fato de Américo Vespúcio (1454-1512) ter levado a glória do descobrimento, imortalizando seu nome no do novo Mundo, visto ser este considerado navegante desconhecido e um geógrafo medíocre[3]. Porém, era grande humanista e conseguiu através da retórica de seu discurso se promover e alcançar o apoio de grandes especialistas e pensadores que o ajudaram a usurpar o nome das novas terras a Colombo.
Alguns cronistas, fervorosos defensores da glória da Coroa espanhola, também não queriam que Colombo tivesse o mérito absoluto do descobrimento e por isso, divulgaram a história do “piloto anônimo” com o intuito de diminuir a glória de Colombo e em conseqüência enaltecer a de Castela.
López de Gómara exemplifica este pensamento em sua obra expondo a teoria do piloto anônimo buscando ressaltar os interesses de Castela em detrimento da fama de Colombo, mas não deixando de prestar-lhe uma pequena homenagem póstuma em nome da Espanha[4].1
Gonzalo Fernández de Oviedo, cronista oficial da Coroa, coloca em sua crônica que essa história do piloto anônimo é algo da opinião popular, embora dedique uma parte considerável de sua obra a esse episódio. Para ele, não houve realmente uma descoberta, pois o território encontrado por Colombo seria parte das antigas ilhas Hespérides, que já pertenciam à Espanha há muito tempo e, portanto, Colombo apenas havia contribuído com o fato de ter aumentado as rendas da Coroa e proporcionado a propagação da fé católica no Novo Mundo[5].
Hernando Colón, filho de Colombo, em sua obra defendeu o protagonismo de seu pai no descobrimento da América e ainda tentou provar que ele estaria consciente de que havia chegado a um novo continente e não a partes da Ásia. Descartou completamente as teorias do predescobrimento, como a do piloto anônimo, desqualificando-as e quando muito nomeando-as de empresas frustradas[6].
Já o Inca Garcilaso de la Vega retoma em seus Comentários reales a hipótese do primeiro descobrimento, oferecendo grandes detalhes do feito, como rota da caravela, nome do piloto anônimo, número de tripulantes, etc. Isso se deve por certo à não simpatia tida por Colombo, visto que o descobrimento por este realizado significava na verdade o fim de seu idealizado império incaico[7].
O padre José de Acosta acredita que os primeiros povoadores da América foram levados até à costa por um temporal e depois expõe a história do protonauta como algo já aceito por todos[8], por isso, não se alonga demais nela dando mais ênfase às discussões filosóficas sobre a importância do descobrimento.
Jerônimo de Mendieta também se preocupa mais com o fracasso do projeto dos franciscanos na Nueva España, do que com a paternidade do descobrimento propriamente dito, que diz estar envolto em grande obscuridade, embora também relate a história do piloto anônimo.

"Cristóbal Colón, de nación genovés, fué el primero que en estos tiempos descubrió la tierra que llamamos Indias, por el mar Océano, hallando la isla Hayti, que puso por nombre Española, porque la ganó en el año de mill y cuatrocientos y noventa y dos con gente y navíos españoles, á costa de los reyes católicos de España, Don Fernando y Doña Isabel. El orígen y fundamento de esta navegación no fué otro ni se halla más claridad (con haber tan pocos años que pasó) sino que una carabela de nuestra España (no saben si vizcaína, si portuguesa ó del Andalucía) navegando por el mar Océano, forzada del viento levante fué á parar á tierra desconocida y no puesta en la carta de marear; y volviendo en muchos más días que fué, llegó á la isla de la Madera, donde el Cristóbal Colón á la sazón residía. Dicen que la carabela no llevaba más del piloto y otros tres ó cuatro marineros, habiendo fallecido todos los demás; y estos pocos, como fuesen enfermos de hambre y otros trabajos que pasaron, en breve murieron en el puerto. Era Colón marinero y maestro de hacer cartas de marear. Tuvo dicha que aquel piloto (cuyo nombre no se sabe) muriese en su casa; de suerte que quedando en su poder las escrituras de la carabela, y la relación de aquel luengo viaje, se le alzaron los pensamientos á querer buscar nuevo mundo"[9].

Percebemos que as dúvidas sobre a paternidade do descobrimento da América foram semeadas pelo próprio Colombo com seus segredos, pois nunca quis aclarar as fontes de seu projeto e disse navegar como instrumento divino da Providência. Gómara e Oviedo exploram a fundo a teoria do protonauta em detrimento da fama de Colombo e essa história acaba sendo assimilada por todos como algo  verossímel e indiscutível. Os cronistas do final do século XVI se limitam a reproduzi-la brevemente, pois estão mais interessados nas reflexões sobre temas de maior transcendência relativos às Índias.
No caminho da invenção da América, ideias apaixonadas surgiram e foram projetadas sobre o Novo Mundo e na verdade, suas origens são confusas e acidentais. Depois de tantas discussões sobre a paternidade da América, homens quinhentistas preocuparam-se em estender seus anseios humanistas a estas novas terras capazes de propiciar o espaço para a realização de sonhos nunca antes alcançados.


Landing of Columbus - John Vanderlyn, 1846

A obra Utopia de Thomas More publicada em 1516[10] reflete a mentalidade humanista da época, pois reúne idéias a respeito de justiça social, tolerância religiosa, educação racional e virtudes cidadãs, bem como, a crítica às guerras. A ilha Utopia por ele idealizada não podia ser localizada em nenhum mapa da época e por isso, influenciou a visão de alguns europeus sobre o Novo Mundo, que passaram a identificá-la com o local descrito por More.


Utopia [11]





[1] CASAS, Bartolomé de las. Historia de las Indias. In: Obras Escogidas, vol. I, libro I, capítul XIV.
[2] COLÓN, Cristóbal. Textos y documentos completos. Madrid: Alianza, 1982.
[3] LEVILLIER, Roberto. Americo Vespucio. Madrid: Cultura Hispánica, 1966.
[4] GÓMARA, López de. Hispania victrix. Primera y segunda parte de la historia general de las Indias. Madrid: Atlas, 1946.
[5] OVIEDO, Gonzalo Fernández de. Historia general y natural de las Indias. Madrid: Atlas, 1959.
[6] COLÓN, Hernando. Historia del Almirante. Madrid: Historia 16, 1984.
[7] GARCILASO DE LA VEGA, Inca. Obras completas. Madrid: Atlas, 1961.
[8] ACOSTA, José de. Historia natural y moral de las Indias. Madrid: Atlas, 1960.
[10] MORE, Thomas. Utopia. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d.
E, Thomas. Utopia. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d.
, 1960.

2 comentários:

  1. Complicado lidar com criações históricas.
    O nacionalismo é um excelente exemplo, pois lida com o "orgulho" de um determinado local, com a exaltação de feitos e acontecimentos e o historiador é obrigado a desmantelar essas criações para poder aproximar-se da realidade. O interessante é que esta realidade será analisada por diversos especialistas e, muitas vezes, estes chegarão a diferentes resultados, revelando contradições passíveis de comprovações através de documentos históricos.
    Parece-me que esse caso passa por essa questão, pois a história do navegador anônimo faz com que haja uma dúvida neste momento histórico: quem descobriu a América?
    Parece boba a pergunta, mas uma coisa podemos afirmar: Mexe com o ego de muiiiiiiita gente!!!

    Ricardo

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  2. Tens toda a razão, mas sabemos também que a existência dessa história denota outros interesses...afinal, um genovês descobrindo o Novo Mundo também incomodou a muita gente na época...logo...não dá nem para saber se é lenda ou não.

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